Chamam-se Jerez, Xérès ou Sherry, são vinhos fortificados e muitos especiais, produzidos no Marco de Jerez, em Espanha 


Vinho Jerez, Xérès ou Sherry?

Pode-se chamar das três formas: Jerez para os espanhóis, Xérès pela influência dos mouros na Andaluzia e Sherry pela relação com os comerciantes ingleses.

Importante é que sejam fortificados e produzidos dentro do Marco de Jerez (região vitivinícola).

Mas vinho Jerez é apenas uma das Denominações de Origem desta região. Também existe a D.O. Manzanilla – Sanlucar de Barrameda, D. O. Brandy e a D. O. Vinagre de Jerez

Também aqui se produz vinho de mesa ou tranquilo, com a designação IGP Vino de la Tierra de Cadiz, geralmente branco e feito a partir da uva Palomino Fino.


Dentro da D.O. Jerez existem três Zonas de Crianza (ou zonas de envelhecimento de vinho):

– Jerez de la Frontera

– Sanlúcar de Barrameda

– Puerto de Santa Maria

E assim se forma o famoso Triângulo de Jerez.

Quantos às castas utilizadas são todas brancas: Palomino Fino, Pedro Ximenez e Moscatel, sendo a primeira usada para os vinhos secos e as duas restantes usadas para vinhos doces.

As vinhas de onde nascem as uvas para o vinho Jerez estão plantadas fora da cidade e, numa visita tradicional a esta região, raramente se vêm as vinhas.

Mas este blogue chama-se “Entre Vinhas” por alguma razão, e eu não descansei enquanto não vi onde crescem as tão faladas uvas.

O solo típico da região chama-se Albariza, uma pedra branca calcária, muito leve e pouco dura, que facilmente se desfaz em areia.

Por ser um tipo de solo que retém pouco a água da chuva, é comum fazer-se o “aserpiado” na entrelinha.

O objectivo é recolher água da chuva e não se perder por deslizamento de terra, uma vez que a terra “albariza” é calcária, mas também muito argilosa, produzindo alguma impermeabilidade para a infiltração da chuva. 

O “aserpiado” é feito após a colheita para captar as chuvas de outono e inverno.

Tal como o nosso vinho do Porto, também o Jerez tem uma longa história de viagens pelo mundo. É comum encontrar famílias, nomeadamente inglesas, produtoras de vinho do Porto e Jerez na mesma época. Por exemplo, marcas como Sandeman e Osborne produzem fortificados nas duas regiões.

Para conhecer um pouco melhor estes vinhos, visitei as três adegas mais emblemáticas do Triangulo de Jerez e, assim, ter uma primeira abordagem ao vinho, à sua história e a importância para a cultura da Andaluzia.


GONZALEZ BYASS, Jerez de La Frontera

Mais conhecida por “Adega Tio Pepe”, um símbolo dos vinhos de Jerez, esta adega foi fundada em 1835. Na verdade, Pepe era o tio de Manuel Maria Gonzalez, que o ajudou muito (em conhecimento e em financiamento) a começar o seu negócio de vinhos.

Por homenagem ao tio Pepe, Gonzalez não só deu o seu nome à marca, mas construiu também uma pequena adega só de Jerez Fino em rama (vinho não filtrado, engarrafado directamente da bota.

Durante anos a Gonzalez Byass era uma pequena aldeia de 7 hectares onde vivia muita gente, trabalhadores da adega.

Até hoje, o negócio de vinho permanece na mesma família.

No final de uma visita às diferentes “bodegas” – todas elas bastante antigas – entrei no espaço de provas e loja, que contrasta totalmente com o que tinha vista até aí.

Trata-se também de uma grande adega, mas transformada num espaço muito moderno, cheia de luz e cor e música onde se pode sentar a provar os diferentes vinhos acompanhados de tapas.

Silvia Flores, assistente de enologia, deu-me a provar uma seleção de 3 vinhos e respectivas tapas:

  • Fino com presunto pata negra 24 meses de cura
  • Oloroso Seco Alfonso com frutos secos e lomo
  • Solera 1847 Cream com queijo curado

Fiquei surpreendida por estas harmonizações – principalmente a de Fino com presunto – mas adorei a experiência! Trouxe para casa o meu favorito: Oloro Alfonso!

BARBADILLO, Sanlúcar de Barrameda


Dentro do Triângulo de Jerez, Salúcar de Barrameda é o único lugar onde se pode produzir Manzanilla, e a da Barbadillo é uma referência!

Depois de fazer fortuna no México, Benigno Barbadillo y Ortigüela volta a Espanha e juntamente com o seu primo, criam esta casa no Bairro Alto de Sanlúcar de Barrameda, no ano de 1821.

Barbadillo é um produtor de vinhos 100% familiar e uma das empresas mais antigas de Espanha.

Um dos pontos altos da visita à Barbadillo foi a entrada na “Catedral”, uma adega gigante repleta de barricas só de Manzanilla.

Foi aqui que me explicaram que a principal diferença da Manzanilla para um Fino.

Embora tenham exactamente o mesmo método de produção e envelhecimento, aqui deixam as grandes janelas da adega abertas e, dada a proximidade ao mar, os ventos marítimos atribuem aos vinhos aromas mais salinos, mais elegância e mais acidez.

Dos 5 vinhos provados, fiquei encantada com a Manzanilla Pasada en Rama Pastora. Não filtrada e com 9 anos de envelhecimento, esta Manzanilla tem inicialmente notas de maçã verde e algo salino.

Na boca é envolvente, com sabor a infusão de camomila e frutos secos, mas com uma textura aveludada e quente.

OSBORNE, Puerto de Santa Maria


Desde 1772 que esta adega tem vindo a colocar os vinhos Jerez no mapa. Criado por uma família de ingleses, os Osborne.

Tudo começa quando o jovem comerciante inglês, de nome Thomas Osborne Mann, chega à região de Cádis para vender vinhoo. Logo começou a fazer negócios em El Puerto de Santa María, onde adquiriu várias adegas que mais tarde reuniria sob uma única marca: Osborne.

Hoje, depois de 7 gerações, o negócio dos vinhos não só se mantém como cresceu, e estendeu-se a outras áreas também.

Brandy, presunto pata negra e caviar são alguns dos negócios da Osborne. Para não falar do Vinho do Porto, não fosse este um negócio muito popular entre os ingleses no séc. XVIII.

A bodega Osborne divide-se em três partes essencialmente: as adegas antigas, a sala de provas que é loja e restaurante e a exposição do famoso Toro de Osborne.

Fiquei a saber que este símbolo que tanto associamos a Espanha – e que podemos inclusivamente ver espalhado pelas estradas de todo o país – foi criado em 1957 pela Osborne como campanha publicitária ao seu Brandy.

Inicialmente os Toros exibiam a marca a letras bem grandes, mas mais tarde uma lei nacional proibiu a publicidade a álcool em espaço publico e os Toros foram todos pitados de preto. Assim ficou, até hoje.

No final da visita, provamos 4 vinhos e um vermute. Gostei muito do Oloroso Medium 10RF, meio doce, com sabor a figos e alperce desidratados.

Todos os vinhos D. O. Jerez são fortificados, ou seja, é-lhes adicionado aguardente após a fermentação do vinho. E esta é a grande diferença dos fortificados Xérès e os fortificados portugueses.

Os nossos são doces (dado que a adição da aguardente é feita para parar a fermentação do vinho base e manter a sua doçura natural) e os de Jerez são secos, bem secos!!


Existe vários estilos de vinho Xérès mas a grande diferença entre eles é o método de Crianza (envelhecimento ou estágio). E aqui utilizam-se dois métodos: Crianza Biológica e Crianza Oxidativa

CRIANZA BIOLÓGICA

O vinho fermentado é colocado em barricas de carvalho americano muito velhas, de 600 litros (que em Jerez se chama “bota”), mas sem encher completamente a barrica. É apenas cheio ¾ da barrica com vinho, deixando o restante com oxigénio.

Naturalmente dá-se um fenómeno de Véu de Flor. Esta é uma camada que se desenvolve à superfície do vinho e se parece com espuma branca. Trata-se de um fungo conhecido como Saccharomyces cerevisiae.

Esta levedura não só protegem o vinho de oxidar – ao impedir qualquer contacto com o oxigénio, resultando num vinho muito claro, quase sem cor – mas também consomem todo o açúcar residual existente, tornando-o um vinho extremamente seco.

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CRIANZA OXIDATIVA

Aqui o processo é semelhante ao anterior mas, de forma a impedir a formação do Véu de Flor, é logo adicionada ao vinho base a aguardente. Este processo de fortificação do vinho mata as leveduras e estas não chegam a desenvolver-se.

Tal como na Crianza Biológica, também aqui se enche a “bota” deixando um espaço vazio com oxigénio. Portanto o processo é o oposto àquele, já que há total e intencional oxidação do vinho. 


Fino
Vinho resultado da Crianza Biológica. No final da fermentação em barrica, é adicionado ao vinho a aguardente, até que atinja os 15° de álcool. É a partir deste momento que se desenvolve o Véu de Flor. O vinho fica assim em repouso durante 4 a 7 anos.

Tem uma cor pálida, baixa acidez, muito seco e alguns aromas de fermento, maçã verde e amêndoas cruas.

Manzanilla

Este é o nome dado ao Fino produzido em Sanlúcar de Barrameda. Só nesta zona se pode usar o nome Manzanilla, tendo direito à sua própria D.O.

A principal diferença com os restantes Finos é que Sanlúcar é muito próximo ao mar e as bodegas deixam propositadamente os seus janelões abertos para circular a brisa marítima e, assim, atribuir aos vinhos um carácter mais salino e com maior acidez.

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Oloroso
Vinho produzido sob o método de Crianza Oxidativa, em que a adição de aguardente lhe atribui um grau de cerca de 22° alc.

Resulta num vinho com cor âmbar, aromas de frutos secos tostados, pão quente, manteiga, muito semelhante aos aromas de um Tawny 20 anos ou mesmo um vinho Madeira.

Tal como o Fino, o Oloroso é muito seco, com menos de 5 gramas de açúcar residual por litro mas claro, com aromas mais ricos e complexos próprios de um vinho oxidado.

Este estagia no mínimo 4 anos, sem ter idade máxima! Aí depois entra em categoria especiais como V.O.S (+ 20 anos) ou V.O.R.S. (+30 anos)


Amontillado
Este vinho mistura ambos os processos de envelhecimento explicados acima. Um vinho Amontillado começa com formação de Flor de Véu, durante cerca de 3 anos, até que este naturalmente desaparece e o vinho fica em envelhecimento oxidativo por mais 4 anos em bota, no mínimo.

Tem cor de Oloroso, mas com aromas de oxidação menos pronunciados, mais fresco e cítrico.

Este vinho tem entre 16° e 22° alc.


Palo Cortado

Este é o típico caso de um erro que correu bem! Podemos dizer que o Palo Cortado é um Fino que não chegou a formar Véu de Flor. Sendo assim, adicionou-se aguardente e seguiu-se com o estágio Oxidativo. Este vinho tem entre 17° e 22° alc.



Até aqui, todos os vinhos que expliquei são produzidos 100% a partir da casta branca Palomino Fino.

Mas além desta, o Marco de Jerez é também conhecido por duas outras castas brancas – Pedro Ximenez e Moscatel – estas usadas para a produção de vinhos doces.

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Sobre a uva Pedro Ximenez

Esta é uma uva branca muito popular em Espanha. É naturalmente doce, o que já influencia em grande parte o sabor do vinho, mas não é só. Após a vindima já ela tardia, a uva é deixada no solo da vinha a secar, ou melhor pacificar, para assim produzir vinhos com mais açúcar e aromas mais melosos.

Pale Cream

Trata-se de um Fino ao qual foi adicionado mosto concentrado de Pedro Ximenez. Mantém a cor pálida ou amarelo palha, aromas de fermento típicas do Fino mas com mais doçura no paladar.

Cream

Estilo de vinho criado pelos ingleses, o vinho “Bristol Cream” é um Oloroso (envelhecimento oxidativo) com adição de mosto de Pedro Ximenez. Neste caso o vinho já tem a cor ambar, notas de frutos secos e caramelo.

Pedro Ximenez

Este é o vinho Jerez com o processo de produção mais semelhante ao nosso vinho do Porto. Ao contrário dos vinhos secos, a aguardente é adicionada para interromper a fermentação deixando o vinho naturalmente doce. Depois da fortificação o vinho segue a o seu estágio oxidativo na “bota”.

Mas para além dos dois tipos de envelhecimento e de todos os estilos de vinho, ainda há mais uma coisa a aprender sobre os vinhos Xérès: o sistema de Criadera e Solera

criaderas_vinosdejerez_sherry
www.sherry.wines.es

SISTEMA DE CRIADERAS Y SOLERA

Este é o sistema tradicional de envelhecimento destes vinhos que consiste em empilhar vários níveis de “botas” e, ao longo dos anos, ir transferido o vinho das diferentes Criaderas – nível mais alto e, portanto, mais jovem – para a Solera – nível mais baixo junto ao chão e onde está o vinho mais velho.

Periodicamente, extrai-se uma certa proporção do vinho contido em cada uma das botas que compõem a solera – uma operação chamada “saca” – produzindo um vácuo parcial neles. Este vazio produzido na solera é completado com o vinho da bota acima, ou seja, 1ª criadera.

O vácuo parcial, assim originado na 1ª criadera, é reabastecido com vinho do saco da 2ª criadera e assim por diante até chegar à escala mais jovem.

Este processo dura pelo menos 2 anos e o vinho sacado da Solera é o destinado ao consumo final.

Nos vinhos Jerez, não existe menção de ano de colheita, visto que quando o vinho de solera é engarrafado, junta várias colheitas numa só (dizem que existem soleras em Jerez com mais de 60 colheitas misturadas).

COMO CHEGAR?


Eu vivo em Évora, portanto fui no meu próprio carro. Demorei 4 horas até Jerez de La Frontera mas, tanto na ida como na vinda, passei por Sevilha. Por isso, para quem não quer fazer uma viagem tão longa – especialmente se vem de Lisboa ou de outras cidades mais longe – recomendo parar um dia a visitar a cidade de Sevilha.

Pode optar por ir de avião, e nesse caso existem voos para Sevilha e mesmo para o aeroporto de Jerez de La Frontera. Para este último, como há menos voos, convém procurar e marcar com mais antecedência do que voo para Sevilha.

Em todo o caso, recomendo alugar carro para depois ser mais fácil deslocar-se entre adegas.


QUANTOS DIAS RESERVAR PARA A VIAGEM?


Eu tirei 4 dias e penso que para uma primeira incursão aos vinhos Jerez, chega perfeitamente. Uma vez que chega a Jerez de La Frontera, tudo fica perto.

Atenção que aos fins de semana não é fácil marcar visitas, umas porque estão cheias, outras porque estão fechadas.

Se tiver a possibilidade de ir durante a semana, melhor. Se não, é importante que marque as adegas que quer fazer para garantir que estão de portas abertas para o receber.


ONDE COMER?

Estamos a falar de Espanha por isso, tal como em Portugal, é muito fácil comer-se bem! De qualquer forma posso recomendar os dois lugares onde fui e gostei:

La Carbona

Um dos clássicos aqui da região. É na verdade uma antiga bodega da região, transformada em restaurante chefiado por Javier Muñoz. Além da cozinha de autor, também os vinhos são peça fundamental de uma refeição moderna e deliciosa!

Tabanco El Pasaje

Um dos símbolos mais fortes da cultura Andaluza é o Flamenco e pode ver vários espetáculos – uns mais profissionais outros mais amadores – nos muitos Tabancos espalhados pela cidade. Eu fui ao Tabanco El Pasaje e recomendo!

Não tanto pela comida, mas pelo espetáculo de uma qualidade já bastante alta, de dança e música.

Escolha um lugar mesmo frente ao palco, para sentir a vibração do sapateado na madeira, peça uns petiscos e um bom fino, e disfrute!

ONDE DORMIR?

Em Jerez de La Frontera tem muitas pousadas e hotéis onde se pode e é a cidade mais central da região.

Se quiser algo mais requintado (mas ainda assim, acessível à carteira) pode reservar um quarto no recém-aberto Hotel Bodega Tio Pepe, inserido na adega Gonzalez-Byass.

Toda a decoração do hotel é muito discreta e sóbria, acolhedora como em casa!

No terraço tem uma pequena piscina (sim, porque esta cidade fica bem quente no Verão) com vista para a Catedral de Jerez de La Frontera.