São históricos, são mundialmente famosos, são doces e fortes e são nossos! Falo dos 4 vinhos fortificados de Portugal
Portugal é indiscutivelmente o país com mais tipos de vinhos fortificados reconhecidos mundialmente: Porto e Madeira! Mas na verdade produzimos no total quatro tipos de vinho fortificado, ao Porto e Madeira junta-se o Moscatel (de Setúbal e do Douro), e o Carcavelos.
Cada um com a sua histórica, geografia, castas e de certa forma, especificidades no modo de produção.
Neste artigo, faço uma breve abordagem a cada um recomendando, claro está, que vá visitar as diferentes adegas e conheça com mais profundidade estes vinhos únicos de Portugal.
O que são vinhos fortificados?
ÍNDICE
Por definição, vinhos fortificados ou generosos, são aqueles cuja fermentação (transformação do açúcar da uva em álcool) é interrompida através da adição de uma aguardente vínica com grau alcoólico bem mais elevado que do vinho.
Assim, o vinho “base” mantém os aromas das suas castas e alguma doçura ao mesmo tempo que aumenta o seu grau, que geralmente ronda os 20% de teor alcoólico.
São vinhos que podem ser tomados em qualquer ocasião, mas que dado o seu grau alcoólico e a sua doçura, são associados a vinhos de sobremesa. Queijos (queijo de Azeitão ou Stilton, por exemplo), chocolate, frutos secos, foie gras ou sobremesas de ovos são alguns dos excelentes acompanhamentos para os nossos vinhos fortificados.
No entanto, cada vez mais estes vinhos estão a ser utilizados de forma criativa, como por exemplo, em cocktails. Diria que o nosso cocktail de vinho fortificado mais famoso é sem dúvida o Porto Tónico em que se utiliza vinho do Porto branco, com água tónica, gelo, limão e folhas de menta. Uma delícia!
VINHO DO PORTO
Primeira curiosidade sobre o vinho do Porto: este não é feito na cidade do Porto! A origem deste vinho icónico está na região do Douro vinhateiro – a região vitivinícola demarcada e regulamentada mais antiga do mundo – no interior de Portugal.
O vinho deve o seu nome à cidade onde, no séc. XVII (e até aos dias de hoje) era armazenado em barricas e tonéis antes de ser vendido ou exportado para outros portos, outros países.
Mas além da origem do vinho, existe ainda outra incoerência no nome… É que nenhuma das famosas Caves do Vinho do Porto se encontra na cidade do Porto, mas sim na vizinha Vila Nova de Gaia, exactamente do outro lado do rio Douro. Portanto, se pensarmos bem, este vinho deveria realmente chamar-se “Vinho fortificado do Douro armazenado em Gaia”, mas isso não iria soar tão bem, pois não?
Devido à estreita relação comercial e política entre Portugal e Inglaterra, desde há muitos séculos, muitas das marcas de vinho do Porto existentes, foram fundadas por famílias inglesas e este país é sem dúvida ainda hoje um grande consumidor de Port (juntamente com França, Holanda e Portugal)
Mas passando à parte prática: como se faz vinho do Porto (e a generalidade dos vinhos fortificados)?
Primeiro é importante referir que o vinho do Porto mais produzido e consumido – por ser também o mais antigo – é o vinho tinto embora mais recentemente se tenham começado a produzir excelentes vinhos do Porto brancos também.
As castas tintas mais conhecidas incluem a Touriga Franca, a Touriga Nacional, a Tinta Roriz, a Tinta Barroca, a Tinta Amarela e a Tinto Cão, mas no total existem cerca de trinta variedades de uva de vinho do Porto.
A vindima ocorre ao mesmo tempo que os vinhos de mesa, portanto, à volta de Setembro, altura em que as uvas chegam à adega.
Tradicionalmente as uvas inteiras são colocadas em grandes lagares de granito e pisadas pelo pé humano. Claro que nos dias de hoje já existe tecnologia que substitui a mão-de-obra humana que consegue realizar quase o mesmo trabalho. Ambos os métodos são válidos para produzir um Porto de qualidade.
A pisa – seja humana seja mecânica – consiste em esmagar as uvas, que por serem colocadas inteiras no lagar, estão bastante sólidas, e precisam de começar a libertar o sumo e a polpa da película/pele.
Depois de algumas horas tem início a fermentação. O calor e o álcool que esta produz começam a libertar a cor, os taninos e os aromas da pelicula.
É no momento em que cerca de metade do açúcar natural do sumo da uva já foi transformado em álcool pela fermentação, que o enólogo dá instrução para que seja adicionada uma aguardente vínica muito limpa e jovem – a tal “fortificação” do vinho.
O vinho do Porto pode ser envelhecido de diferentes formas, e por diferentes períodos, sendo os mais conhecidos o Ruby e o Tawny.
De forma resumida (pois o vinho do Porto é todo um mundo e ainda há mais 3 fortificados para falar aqui) explico ambos os tipos:
Ruby – envelhecem por um tempo relativamente curto em grandes tonéis de madeira de carvalho. São vinhos de cor vermelha profunda e jovem com intensos sabores frutados como compota de frutos silvestres. Aqui insere-se o famoso vinho do Porto Vintage que representa a melhor produção de um único ano excepcional. Este vinho permanece em tonel por apenas cerca de dois anos e depois envelhece em garrafa.
Tawny – ricos e complexos, envelhecem por períodos mais longos em cascos de carvalho. É o caso dos incomparáveis vinhos do Porto Tawny com 10, 20, 30 e 40 anos – idades médias dos vinhos que compõem cada lote – cujos aromas de frutos secos, especiarias e madeira de carvalho intensificam quanto mais tempo o seu estágio.
CAVES DE VINHO DO PORTO A VISITAR:
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VINHO MADEIRA
A história do Vinho Madeira começa com a descoberta da ilha em 1419 pois logo por essa altura se iniciou a cultura de trigo, cana de açúcar e claro, vinha, nesta terra. Registos históricos indicam que daí até começar a levar o Vinho Madeira para outras paragens, foi incrivelmente rápido.
A fama e prestígio deste Vinho, podem ainda ser atestados por inúmeros episódios, entre os quais, a celebração da independência dos Estados Unidos da América, em 1776, que foi comemorada com um brinde de Vinho Madeira!
Actualmente as variedades de castas mais utilizadas são: Sercial, Verdelho, Boal, Malvasia, Terrantez e Tinta Negra. No entanto, existem outras castas recomendadas e autorizadas.
Embora as castas usadas sejam maioritariamente brancas e plantadas num terroir bem distinto, o processo de vinificação e de fortificação do Vinho Madeira é muito semelhante ao Vinho do Porto. A maior diferença é que, naquele, a escolha do momento da interrupção da fermentação depende com o grau de doçura pretendido para o vinho. No Vinho Madeira podem-se produzir quatro tipos: o seco, o meio-seco, o meio-doce e o doce.
Após a fortificação do vinho de acordo com o grau de doçura, os vinhos passam à fase de envelhecimento. E aqui existem dois processos possíveis: Estufagem ou Canteiro.
A Estufagem acontece quando o vinho é colocado em estufas de aço inox, aquecidas por um sistema de serpentina onde a água quente circula por cerca de 3 meses. Após este período, fica a estagiar mais 3 meses à temperatura ambiente e só depois será colocado em cascos de madeira até ser engarrafado.
O processo de estufagem ou aquecimento do vinho começou na verdade, na sequência das longas viagens de barco de ida e volta aos trópicos. Constatou-se que ao ir e voltar a Portugal, passando por ambientes quentes e húmidos, os vinhos melhoravam substancialmente a sua qualidade.
Mas como era impraticável, propositadamente levar os vinhos a viajar longos meses e distâncias para que ficasse melhor, criou-se o sistema de estufagem que simula o mesmo processo de envelhecimento, de forma mais rápida e barata. Na verdade, vinho de estufa com três meses aparenta ter 4 e 5 anos de idade
O nome Canteiro provém do facto de se colocar os grandes toneis – feitos a partir de madeira de Cetim do Brasil em muitos casos – sob suportes de traves de madeira, denominadas de “canteiros”.
Neste caso, o vinho é envelhecido geralmente nos pisos mais elevados dos armazéns onde as temperaturas são mais elevadas, pelo período mínimo de 2 anos e só podem ser comercializados decorridos pelo menos 3 anos. Naturalmente, pelo método e pelo tempo de espera, estes são vinhos mais caros que os de estufagem.
O vinho Madeira tem geralmente uma cor âmbar, um elegante dourado escuro, e na boca sente-se bem a acidez vinda das castas com que o vinho é feito, mas muito bem equilibrada com notas de caramelo e frutos secos tostados.
Os Madeira seco e meio-seco são ótimos para aperitivos. Os queijos casam perfeitamente com os Madeira Meio Doce e os Madeira doce são ideais para sobremesas, chocolates e para acompanhar o café.
ADEGAS DE VINHO MADEIRA A VISITAR:
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VINHO MOSCATEL
O Moscatel por si só, é mais um vinho fortificado pelo método que já expliquei antes, mas produzido a partir da casta Moscatel.
Em Portugal este é produzido em duas regiões: em Setúbal – castas Moscatel de Alexandria ou Moscatel roxo – e no Douro, nomeadamente em Favaios, onde se utiliza a casta Moscatel Petit Grains.
No entanto, no que toca ao reconhecimento e fama deste vinho, é notório que o Moscatel de Setúbal se destaca face ao do Douro, onde o Vinho do Porto impera.
Foi em 1907 que nasceu a Região Demarcada do Moscatel de Setúbal, sendo no ano seguinte regulamentada a produção e comércio deste vinho generoso. Tal aconteceu pela mão do último monarca português, D. Manuel II.
Este néctar doce de cor topázio foi também apreciado por várias cortes da Europa. É o caso do rei Ricardo II de Inglaterra que já em 1381 mencionava a importação de Moscatel de Setúbal, ou de Luís XIV que, no século XVII, o exigia nas suas festas de Versailles.
Também o Moscatel de Setúbal foi muito exportado para o Brasil, e foi na verdade nesta região que eu ouvi pela primeira vez a história que contei anteriormente dos vinhos Madeira.
O “Moscatel Torna Viagem” era aquele vinho que sobejava das viagens de travessia do equador e regressava a Portugal com melhor qualidade do que na sua ida. Mas aqui em Setúbal, tais vinhos já não se produzem – nem por métodos artificiais – e os poucos que ainda existem, só podem ser adquiridos em leilão e por valores muito altos!
O Moscatel pode ser servido como aperitivo, e aconselha-se que esteja a uma temperatura de 10ºC. Como vinho de sobremesa, é um excelente acompanhamento para chocolate preto ou qualquer sobremesa à base de ovos como por exemplo a famosa torta de Azeitão.
Este vinho revela bom equilíbrio de acidez, aromas florais, cítricos e sabor de casca de laranja, mel, damasco e manteiga, adquirindo aroma de frutos secos dependente do tempo que envelhecem na madeira. O Moscatel Roxo é de cor ligeiramente rosada e os seus aromas identificam-se com rosas e são muito mais ricos e complexos.
Os jovens Moscatéis são, na sua maioria, vendidos quando têm entre 2 e 5 anos de idade mas uma pequena proporção dos vinhos de Setúbal é vendida com 10 ou mesmo 20 anos de envelhecimento em madeira.
Por sua vez, o Moscatel do Douro (que também é utilizado para intensificar o aroma de Portos brancos) origina vinhos particularmente interessantes e complexos.
O tempo mínimo na madeira é de 18 meses, mas a maioria fica um pouco mais, enquanto alguns Moscatéis do Douro são envelhecidos por 10 ou 20 anos, sendo ocasionalmente engarrafados como “Colheita”, com o respectivo ano indicado na garrafa.
ADEGAS DE VINHO MOSCATEL A VISITAR:
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VINHO DE CARCAVELOS
E cheguei ao quarto vinho fortificado de Portugal, mas que é na verdade o meu favorito. Não é só uma questão de sabor, embora talvez seja realmente o Vinho de Carcavelos aquele que mais gosto, mas também por ser o menos conhecido, o mais resiliente e persistente, o menos falado e aquele que é produzido na mais pequena região demarcada do país e uma das mais pequenas do mundo.
Em termos vitivinícolas é produzido na sub-região de Carcavelos, inserido na região de Lisboa, mas em termos geográficos é feito em Oeiras.
Além de tudo isto é um vinho histórico com registos na região desde o século XV.
Mas à semelhança do vinho do Porto, também o vinho de Carcavelos foi protegido e impulsionado por Marquês de Pombal que já no séc. XVIII produzia o seu próprio vinho na quinta em Oeiras.
No entanto, esta pequena região tem vindo a desaparecer devido aos rápidos avanços urbanos e intensa pressão imobiliária, que é vista como um melhor investimento do que a plantação de vinhas no meio da cidade.
Felizmente em 1997, tudo mudou quando a Câmara Municipal de Oeiras, em parceria com a Estação Agronómica Nacional – instalada na Quinta do Marquês de Pombal – decidiu recuperar e preservar este património, dando continuidade à produção deste vinho histórico!
Actualmente, nesta região estão plantados no total 25 hectares de vinha onde o Arinto, Galego Dourado e Ratinho são as três castas mais importantes.
Fortificado em grande parte com a famosa aguardente da Lourinhã, este vinho doce de cor mel é considerado por inúmeros enólogos como um dos melhores aperitivos portugueses e um óptimo digestivo.
Após o processo de fermentação e fortificação, o vinho envelhece em barricas de carvalho português e francês durante um período médio de 10 anos, e depois do engarrafamento, cumpre uma etapa adicional de 6 meses em garrafa antes de entrar no mercado.
Tal como os restantes vinhos fortificados, também o Carcavelos deve ser servido ligeiramente fresco (+/- 10º), como aperitivo ou como entrada (para os blends mais jovens) mas, geralmente é utilizado como vinho de sobremesa.
ADEGA DE VINHO DE CARCAVELOS A VISITAR:
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Great article
Obrigada Francisco! 🙂
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