Trazido pelos romanos para a Península Ibérica, perpetuado no tempo pelos alentejanos. Hoje falo-vos do histórico vinho de talha!

Diz a tradição que no dia de São Martinho, vai-se à adega provar o vinho e foi o que fiz! Fui a Vila Alva e Vila de Frade, na Vidigueira provar o vinho acabado de sair da talha, exactamente no dia 11 de Novembro.

Mas afinal o que é o vinho de talha?

É uma técnica milenar, trazida pelos romanos até este lado do mundo e mantida até aos dias de hoje, essencialmente no Alentejo.

O método tradicional que se usa na maioria das adegas consiste em esmagar as uvas após as separar do engaço, permitindo que o sumo se misture com todos os restantes elementos. Essa massa é colocada directamente na talha de barro e aí fica até (pelo menos) a meio de Novembro.

Entretanto é necessário mexer as massas, misturar a parte sólida com a parte líquida para que o vinho vá ganhando estrutura e sabor que a película e as grainhas conferem.

Considerando que a vindima ocorre geralmente no início de Setembro, o vinho fica a macerar por cerca de dois meses e meio até poder ser provado pela primeira vez.

As grandes talhas de barro são “pesgadas” no seu interior, ou seja, são revestidas de uma pasta feita de cera de abelha, resina de pinheiro e azeite.

Atualmente o vinho de talha está na moda e ainda bem! Mas atenção, segundo a Comissão Vitivinícola do Alentejo, só se pode considerar vinho de talha aquele cujas massas fermentam juntamente com o vinho dentro da talha.

É batota fermentar vinho em inox e depois passar apenas o “sumo” para a talha durante os restantes dias! Ficam avisados 😉

ADEGA DO MESTRE DANIEL – XXVI TALHAS

Comecei o dia na Adega do Mestre Daniel – XXVI Talhas. E é simples perceber o nome, pois dentro da adega estão vinte e seis talhas que os netos do senhor (e mestre) Daniel mantêm cheias de vinho, de modo a continuar o legado que o avô lhes deixou.

Aqui foi Daniel – neto – que me recebeu e me contou um pouco da tradição de família que vai na terceira geração.

A talha que se ouvia correr ao fundo da adega era uma mais pequena, a que ali chamam Tareco. Por isso comecei por provar os vinhos da gama Tareco, branco e tinto.

Confesso que nunca tinha achado grande interesse ao vinho de talha branco, mas com o Daniel aprendi que o vinho de talha é tradicionalmente vinho branco, feito de castas regionais como Antão Vaz, Diagalves, Perrum, Roupeiro, Manteúdo e Larião. Ah e é servido num pequeno copo de vidro, nada sofisticado, mas de acordo com a rusticidade da tradição talha!

Para acompanhar o vinho, Daniel preparou-me uma mesa farta, logo às 10h da manhã, com pão alentejano, queijos, azeitonas e enchidos assados na pequena grelha de barro.

Além do Tareco branco e tinto, os entrada de gama, provei também os vinho Mestre Daniel cuja maceração em talha é mais prolongada e por isso concentra mais sabor.

Também aqui foi o branco que mais me marcou com os seus aromas de ananás de calda mas seco na boca a lembrar nozes e avelã tostada.

Um vinho que sem dúvida estava à altura dos enchidos, com bastante corpo e uma acidez que combinava bem com a gordura do chouriço.

GERAÇÕES DA TALHA

Já vai em quatro gerações, dedicadas ao vinho de talha. Teresa é a última geração, a menina dos olhos do avô Arlindo, que lhe deu todo o apoio quando decidiu abandonar o curso de engenharia de minas para estudar enologia e assim, dar continuidade à produção de vinho neste método ancestral.

“É uma enologia especial” diz Teresa, pois fazer vinho em talhas não é a ciência mais exacta e há que ter paciência, dedicação e experiência que se adquire com o tempo.

Na pequena adega do séc. XVIII, bem no centro de Vila de Frades, Teresa cuida de cada talha debaixo das “penduras”. Após cada vindima, alguns cachos de uva branca são pendurados no tecto da adega onde tradicionalmente ficam a secar até ao ano seguinte, mas entretanto no Natal algumas delas são comidas já em passa.

A Gerações da Talha lança este ano pela primeira vez o seu vinho engarrafado Farrapo, inspirado nas vestes gastas e velhas que os frades franciscanos usavam.

Produz branco, tinto e petroleiro. O vinho petroleiro é o que conhecemos vulgarmente por palhete (mistura de uvas brancas e tintas). Por obter um tom ligeiramente roxo, parecendo-se com o petróleo, o nome ficou.

Gostei muito de provar este petroleiro! Como manda a tradição, saído directamente de uma das talhas para o meu pequeno copo de vidro.

É um vinho que no nariz mantém fortes aromas de frutos vermelhos mas na boca, o sabor é mais suave e vegetal, com boa acidez.

CELLA VINARIA ANTIQUA – HONRADO VINEYARDS

Já conheço este espaço há alguns anos, ou melhor, o restaurante País das Uvas em Vila de Frades. Um restaurante que serve comida tradicional alentejana onde os clientes partilham a mesa com grandes talhas de barro (geralmente, cheias de vinho!)

No dia em que o dono do restaurante, António Honrado, decidiu aumentar a sala de refeições para um armazém contiguo, teve uma surpresa. Ao partir as feias paredes de cimento, foram encontradas paredes de uma adega datada do séc. XIII !

Nesse momento, a ideia de aumentar o restaurante ficou de parte e a Cella Vinaria Antiqua nasceu. Significa “Adega Histórica” em latim e aqui se produzem os vinhos Talha, assinado pelo enólogo Paulo Laureano.

António é a terceira geração da família Honrado a produzir vinho de talha e o seu filho Ruben já lhe segue os passos na gestão da adega. E é sem dúvida um espaço que vale a pena visitar!

Nesta adega pode-se aprender mais sobre todo o processo de vinificação em talha – através de um vídeo bem detalhado – organizar eventos privados pois é uma adega bastante espaçosa ou fazer provas de vinhos.

E aqui também aprendi o que é um “ladrão”. Este é o nome dado a cisternas enterradas debaixo do solo que servem como segurança, no caso de uma talha quebrar e derramar todo o vinho, este fica retido no “ladrão” e assim se recupera.

Da talha, António encheu um copo de vinho tinto para eu provar. Gosto dos vinhos de talha pelo seu carácter rústico que, apesar de apresentarem aromas frutados vindo da uva, não deixam esquecer o seu método de vinificação. Na boca, parece que ainda sinto aquele sabor a terra molhada, ligeiro barro por entre a fruta.

Pela descrição pode não vos parecer muito apelativo talvez…. mas acreditem em mim, o vinho de talha é um vinho especial, com muita qualidade e de grande importância para a história do vinho no Alentejo!

 


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