Conhecida pelos vinhos doces, feitos de uvas podres, Tokaji é uma região fascinante cheia de história!

Confesso-me já aqui pouco apreciadora de vinhos doces. Mas não foi isso que me impediu de ir à Húngria explorar os vinhos de Tokaji, os seus Aszú, os 6 Puttonyos e aprender mais sobre a Podridão Nobre.

Muita gente não sabe, mas Tokaji é sim a mais antiga região vitivinícola demarcada do mundo, pelo menos desde o ano 1730.

Nesta altura as vinhas da região foram classificadas para produzir o famoso vinho doce Aszú, embora a tradição vitivinícola aqui remonte até bem antes disso.

A grande diferença de Tokaji para o nosso Douro é que este foi a primeira região demarcada e regulada no mundo, em 1756.

Em 2002, Tokaji foi classificada Património Mundial da UNESCO.

Esclarecido este assunto, falemos das castas aqui plantadas que são, na sua grande maioria, brancas.

Furmint – Uma casta muito delicada e a mais usada tanto para brancos secos como para os Aszú. Daqui produz-se um excelente vinho branco, baixo em acidez mas muito aromático. 

Hárslevelü – bastante aromática e com acidez média.

Muscat blanc – semelhante ao nosso Moscatel, produz vinhos leves, perfumados e pouco doces. Chama-lhe “vinho de Verão”

Kabar, Zeta, Kövérszolo são outras castas brancas também autorizadas na região.

TOKAJI E A PODRIDÃO NOBRE

Tokaji é famosa pelos vinhos Aszú são vinhos doces feitos a partir das uvas afectadas pelo fungo Botrytis Cinerea, também conhecido como Podridão Nobre.

As uvas são propositadamente deixadas a desidratar na vinha e colhidas em início de Novembro, quando começa a surgir a podridão nobre.

Como a podridão não aparece logo no cacho inteiro, as uvas são vindimadas à mão, bago a bago pois só as que já têm bolor interessam.

Também é possível fazer vinho sem separar as uvas com botrytis, das uvas sãs. O cacho é vindimado por inteiro e o vinho que daí sai chama-se Szamorodni, significa “as it is/ made by itself”

Este estado de podridão nobre (e não podridão negra, que é prejudicial à uva e não produz vinho) ocorre apenas em condições climáticas especiais em que são necessárias manhãs frias e húmidas e tardes quentes e secas. E isso acontece na região de Tokaji!

As uvas Aszú (que dão nome ao próprio vinho) produzem pouco sumo, muito doce e de baixo grau alcoólico. Por isso se adicionam ao vinho branco seco.

A proporção de uvas Aszú que se adiciona vinho seco é que define a categoria do vinho em que 6 Puttonyos (6 cestos de uva botrytizada para um barril de vinho branco de cerca de 135 litros chamado “Gönczi”) é o ex-libris!

O Tokaji Aszú 6 Puttonyos é um vinho muito doce, baixo teor alcoólico. Faz lembrar marmelada mas com acidez no final! São talvez os vinhos doces com maior longevidade já que não se estragam ou azedam, apenas mudam o seu sabor.

O Rei dos vinhos e o vinho dos Reis

Luís XIV sobre o Tokaji Aszú

ENOTURISMO EM TOKAJI, HÚNGRIA

Tokaji é composta por 27 villas e todas elas produzem vinho.

Como tinha apenas dois dias para visitar a região, tive que planear muito bem a viagem. Marquei tudo por email e com antecedência, recomendo fazer o mesmo.

GÖTZ PINCÉSZET

Antes de mais, sabia que queria ir conhecer a vila de Hercegkút – Património da Humanidade – onde encontrei a adega a Götz Pincészet

Hercegkút é uma das 27 villas da região de Tokaji e faz parte do Património da Humanidade. É encantador, parece cenário do filme Hobbit!

A Götz Pincészet está inserida nesta “villa encantada” e a entrada é feita por uma das casas enterradas na encosta.

Esta adega está na mesma família desde 1750 mas apenas em 2000 abriram portas a visitas, isto porque muitas destas adegas em Hercegkút são privadas e não recebem visitantes.

Quando os Götz decidiu apostar no enoturismo, a adega tinha apenas 3 metros de cumprimentos. Até que os homens da família começaram literalmente a partir pedra e, actualmente, existem três túneis de 80 metros cada um, todos cheios de barricas!!

Nas adegas subterrâneas está muito frio, cerca de 9ºC o ano inteiro, e por isso logo quando marquei a visita me avisaram para ir bem agasalhada.

Mas apesar do frio, foi uma visita muito agradável e acolhedora. Na sala principal têm uma projecção com vídeos com a história da região e da própria adega.

Também servem almoços caseiros, sem menu. Comi o que me deram e fiquei muito agradecida por aquelas salsichas e chouriço no pão!

HOLDVÖLGY

Situada na villa de Mád, uma villa no centro de uma cratera vulcânica e por isso os solos são essencialmente vulcânicos.

A visita começa por visitar a loja, muito iluminada e colorida, cheia de luz, quase a parecer uma joalharia. Do lado de fora da loja estava uma porta numa parede de pedra, aí sim, ia começar a verdadeira experiência Holdvölgy

Desci umas escadas e novamente entro num túnel subterrâneo do séc. XVI, este com cerca de 2 quilómetros!

A guia que me acompanhou propôs-me fazer o desafio Holdvölgy Cellar Experience e eu claro disse que sim. Deu-me um mapa para a mão dos túneis com 5 pontos de paragem que representavam as 5 provas de vinho ao longo do percurso, eu apenas tinha que descobrir sozinha, o caminho!

Foi muito divertido e melhor ainda foram as recompensas que ia tendo ao longo do labirinto.

Devo dizer que o Holdvölgy Intuition foi o vinho que mais gostei: feito de Furmint envelhecido em barricas de carvalho Húngaro em borrar finas. Incrível!

Mas percorrer aqueles corredores bolorentos é mais do que visitar uma adega já que, dada a dimensão dos tuneis, muitos funcionavam como verdadeiras aldeias onde moravam famílias, fugidas das invasões turcas e guerras mundiais. Aqui nos túneis da Holdvölgy, encontrei uma capela do séc. XVI tal e qual foi deixada!

Fiquei fascinada com esta adega e com a história que aqueles túneis, barricas e paredes contam.

GRÓF DEGENFELD

A adega Gróf Degenfeld foi fundada por uma família alemã em 1857 e adquirida em 1994 pelo Conde Degenfeld.

Cheguei a este produtor já de noite (o que não é difícil porque na Húngria, no Inverno, anoitece pelas 16h), mas diria que perto da hora do jantar. Tive sorte que ainda havia uma última visita à adega e juntei-me ao grupo.

Ao caminhar pelos longos túneis cheios de barricas de madeira, percebi que as paredes estão totalmente cobertas por uma grossa camada de bolor!

O guia explicou que o bolor ajudar a manter a humidade – quando está baixa, o bolor liberta, quando está alta, o bolor absorve – e temperatura certas para o vinho envelhecer.

A prova de vinhos foi já dentro do hotel e aí provei monocasta Furmint, Hárslevelü e Muscat Blanc assim como o seu Aszú 6 Puttonyos.

Dentro da propriedade tinha um hotel de charme, lindo e muito confortável onde fiquei a dormir nessa noite.

DISZNÓKŐ

Esta adega é muito clássica e elegante e pertence ao mesmo grupo que detém a Quinta do Noval. Os vinhos da Disznókő são dos mais reconhecidos Aszú em Tokaji e no mundo.

Existem registos de vinha nesta propriedade desde 1413.

Mais uma vez desci umas longas escadas para um túnel subterrâneo onde fiz prova de diferentes vinhos inclusivamente de 5 e 6 Puttonyos. Não pensei que se sentisse tanta diferença de um para o outro, de facto quanto mais doce, menos acidez e mais espesso fica o vinho.

Foi também na Disznókő que tive oportunidade de provar o raro e caro Eszencia.

Tenho alguma dificuldade em chamar-lhe vinho, de tão denso e doce que é. Mas é vinho e atinge valores com 3 dígitos, pela sua raridade e pouca produção.

O Eszencia é um vinho feito inteiramente de uvas desidratadas, sem serem misturadas com o vinho branco seco. O mosto de uva para Eszencia é tão doce que é praticamente xarope, tornando muito difícil para a transformação do açúcar em álcool, pelo que este néctar tem um grau alcoólico aproximado de 3%.

É um vinho curioso, muito intenso em aromas como a marmelada, chá preto, cogumelos, avelãs…. É intrigante… mas se eu pagava para o voltar a provar? Não, mas não digam a ninguém!!

COMO ORGANIZAR UMA VIAGEM A TOKAJI

COMO CHEGUEI?

Voei até Budapeste onde fiquei uns dias a visitar a cidade. Daí aluguei um carro e conduzi cerca de 3 horas até Tokaji (depende do trânsito a sair da cidade e da chuva)

Alugar um carro é uma decisão arriscada pois a tolerância ao álcool na estrada na Hungria, ao contrário de Portugal, é ZERO!

Existem agências a organizar “day tours” desde Budapeste que pode ser uma boa opção. Ou então viaje com alguém que não se importe de ser o motoristas que não bebe.

Como viajei sozinha, apliquei bem os meus treinos de prova de vinho técnica: apenas bochechar e cuspir, nunca beber o vinho. Resultou!

O caminho tem partes de auto estrada boa de conduzir outras não tão boas mas faz-se bem, e é muito fácil chegar a cada adega.

ONDE DORMI?

Em Tokaji, apenas dormi uma noite e fiquei no hotel da adega Grof Degenfeld. Um hotel de charme, muito elegante e confortável, com restaurante que servia todas as refeições.

De manhã acordei rodeada de vinhas, num cenário muito bucólico e romântico, só faltou a neve! Estava muito frio, mas não o suficiente para nevar.

Hotel muito acessível embora no centro de Tokaji existam várias opções, mesmo na villa.

ONDE COMI?

Além de almoçar na Götz Pincészet e jantar na Gróf Degenfeld, também almocei no restaurante Kardos Bistro, na villa de Mád.

O Kardos é um pequeno restaurante de um ex-Chef do clássico hotel Grof Degenfeld. Um dia decidiu mudar de vida e transformar uma sala de provas onde recebia amigos, num bistrô onde também produz o próprio vinho!

Como prato principal comi um delicioso peito de pato com tarte de abóbora, acompanhado pelo vinho da casa Kardos Betsek – nome de uma montanha em Mád, onde se localizam as vinhas da fundação de Tokaji como região demarcada.


tokaji pinterest