Vinte anos separam a abertura de portas ao enoturismo na Herdade do Esporão e na Quinta dos Murças. É a família Esporão a crescer e a fazer o que sabe melhor!
Dizem que tudo começou em 1714, quando aquele lugar já era conhecido como a quinta dos Murças, referindo-se aos capitães-mores de Murças.
Depois de passar por diferentes famílias, a quinta finalmente chegou às mãos do Esporão.
Pioneira no enoturismo em Portugal, a Herdade do Esporão, no Alentejo, abriu portas a visitantes pela primeira vez em 1997 (podem ler sobre “um dia no Esporão” aqui).
Mas não se ficou pelo Sul e a Quinta dos Murças, no Douro, foi a continuação do Esporão para o norte. Desde 2008 que a Quinta dos Murças ganhou uma nova vida!
Começou por reestruturar as vinhas, visto que muitas se apresentavam descuidadas ou mesmo abandonadas. Mas a vinha em que nunca se mexeu foi a parcela VV47 – a primeira vinha vertical alguma vez plantada no Douro, em 1947.
Até então as vinhas no Douro eram plantadas na horizontal, através dos famosos socalcos que tanto caracterizam a paisagem desta região, considerada Património Mundial pela UNESCO.
Hoje as vinhas da Quinta dos Murças parecem uma manta de retalhos!
Cada parcela tem a sua configuração, orientação, exposição solar, de forma a aproveitar ao máximo a inclinação do terreno, os ventos, a frescura da proximidade ao rio. Ali encontram-se apenas castas portuguesas e autóctones do Douro.
Foi num passeio de jipe, com o enólogo José Luis Moreira ao volante, que percebi a relevância de cada um dos oito terroirs que se considera existirem na Quinta dos Murças e permite produzir vinhos tão distintos entre si.
A última etapa da nova vida da Quinta dos Murças, foi a recuperação da casa já existente na quinta, ficando concluída em 2017.
Nesta casa mesmo em cima do Douro existem 5 quartos de hóspedes, piscina, sala de jantar, sala de estar com varanda, loja e uma sala de provas.
Na minha ida anual ao Douro, decidi incluir a Quinta dos Murças e foi lá que fiquei a dormir uma noite. E que excelente decisão a minha!
Comecei por ser calorosamente recebida por Manuel, um dos responsáveis do enoturismo, que me mostrou todos os espaços da casa como se fosse a sua e que eu podia usar à minha vontade.
O meu quarto era espaçoso, com uma decoração muito simples e acolhedora e com porta directa para a piscina!
Naquele dia de calor de Agosto, não resisti a atirar-me logo para dentro da água fresca, com o rio Douro e suas vinhas como pano de fundo.
Manuel perguntou a que horas eu queria que o jantar fosse servido, no alpendre do meu quarto, e aí percebi os mimos com que os hóspedes são tratados ali na quinta!
Mas ainda antes de jantar, fui conhecer a adega onde grandes lagares de granito ocupam maior parte do espaço. Aqui a pisa das uvas a pé repete-se todos os anos desde 2010.
Tal como eu já tinha aprendido na Herdade do Esporão, aqui nos Murças também se pratica uma agricultura biológica e um funcionamento da adega muito amigo do ambiente, onde todos os recursos são reutilizados e usados de forma consciente.
Ao lado dos lagares existe também uma talha de barro onde o vinho Ânfora tem sido preparado nos últimos dois anos.
Vinho de talha, como sabem, não é de todo uma técnica tradicional no Douro. Mas uma vez que o Esporão nasceu no Alentejo foi, portanto, com alguma audácia que experimentou esta técnica ancestral alentejana num vinho do Douro.
E deixem-me que vos diga, resultou muito bem!!
Ao jantar, provei quase toda a gama da Quinta dos Murças mas destaco três:
- Assobio branco – não só por ser o único branco aqui produzido, mas porque realmente é fresco e equilibrado. Um blend de castas clássicas da região, sem passagem em madeira e, portanto, um vinho acima de tudo frutado e fácil de beber. Ainda assim intenso e com personalidade, tal como a vinha forte e ventosa de onde vem!
- Minas – junto a esta parcela existem 5 minas de água que refrescam as plantas em solo de xisto. Daí sai um vinho onde a fruta madura se destaca, mas com equilíbrio e frescura. São uvas vindimadas à mão, pisadas a pé que chegam à boca cheias de sabor!
- Ânfora – o irmão “gémeo” do Minas. Mesmas castas, mesma vinha, mesma data de vindima mas com fermentação feita em talha de barro, como no Alentejo. E a diferença vê-se bem, ou melhor, prova-se bem! Sem dúvida que a fruta está presente mas envolvida naqueles aromas a terra e pedra, fazendo deste um vinho mais seco e com longo final, mesmo como eu gosto!
Na manhã seguinte, a D. Margarida tinha-me preparado um belo pequeno-almoço na varanda virada para o rio.
Àquela hora, não havia mais hóspedes, estava só eu, o Douro e uma mesa cheia de mimos deliciosos para mim! Que mais podia eu pedir? 😊
Não vou mentir…… o caminho até lá chegar é bastante desafiante – uma faixa apenas, estrada de terra batida sem muros de protecção, onde a certa altura tive de partilhar uma estreita curva com um camião! – mas acreditem que vale a pena todo esse esforço, só para conhecer a Quinta dos Murças!