Já Fernando Pessoa se deliciava com os néctares de Abel Pereira da Fonseca. Fui visitar a Quinta do Sanguinhal e perceber porquê!
Falar da Quinta do Sanguinhal é falar, inevitavelmente, de Abel Pereira da Fonseca.
Abel foi um bem-sucedido comerciante de vinhos do séc. XX. Comprava vinho por todo o país, incluindo vinho do Porto, para o distribuir por mais de 100 armazéns. Até que chegou o momento de ir mais longe e Abel adquiriu três quintas no Bombarral – Quinta das Cerejeiras, Quinta do Sanguinhal e Quinta de São Francisco – para dar início à produção própria de vinho.
Nesta terra de “Bom Barro”, Abel plantou as primeiras vinhas nos anos 1920’s com algumas ideias inovadoras para a época: vinhas aramadas e separadas por castas.
Desta vez, fui visitar a Quinta do Sanguinhal. Aqui fui recebida por Ana, bisneta de Abel, que com orgulho me contou as histórias da família, carregando ao colo e na barriga elementos da quinta geração!
Das três quintas, é no Sanguinhal que se realizam as visitas de enoturismo, desde 2000. Até lá, a quinta era lugar de descanso de família, que acabou por se tornar um negócio.
Começámos por espreitar o armazém de barricas onde hoje estagiam essencialmente as aguardentes e vinhos licorosos, em tonéis de carvalho português. Uma sala óptima para estar nos dias de grande calor pois tem temperatura e humidade controladas naturalmente.
Continuamos pela destilaria onde antigamente se produziam as famosas aguardentes bagaceiras da Estremadura.
Hoje, por estar já desactivada, a antiga destilaria tem sido aproveitada como um original cenário para reuniões e casamentos.
Atravessando o pátio exterior, subi umas escadas de pedra (com cuidado para não bater com a cabeça na árvore que cresceu deitada sobre os degraus!), passei pelo tanque que no Verão faz o papel de piscina e refresca os dias mais quentes, chegando à vinha que representa 25 dos 95ha plantados no total das três quintas.
Nesta vinha cresce moscatel graúdo, vital, verdelho, touriga nacional, aragonez, castelão entre outras castas estrangeira. Estas são refrescadas pelos ventos vindos da Serra de Montejunto o que ajuda a produzir vinhos com boa acidez, mineralidade e com excelente capacidade de envelhecimento.
E foi no lagar desta quinta que pude provar esses mesmos vinhos. 😊 Esta sala é um lugar especial e único na Península Ibérica: aqui resistem cinco prensas de fuso e vara, originais de 1871, de dimensões impressionantes desenhadas pelo próprio Abel!
Também as prensas estão desactivadas actualmente e por isso é nesta sala que hoje se realizam as provas de vinhos no final de cada visita.
Comecei pelo vinho Sôttal Leve, servido bem fresco é um excelente aperitivo ou para beber descontraidamente num dia quente.
Já o tinto Quinta das Cerejeiras Grande Reserva é o oposto, um vinho bem encorpado onde predominam os aromas de compota e chocolate, que pede comida igualmente elaboradas.
Hoje, todo o processo de produção e engarrafamento concentra-se na Quinta de São Francisco. Nas Cerejeiras também se organizam visitas à casa onde morou Abel Pereira da Fonseca, à antiga Capela e ao núcleo museológico.
Mas a memória de Abel Pereira da Fonseca não se fica apenas pelas quintas no Bombarral. No centro de Lisboa, no bairro de Marvila onde tudo começou, ainda podem encontrar o antigo armazém com o nome do comerciante escrito em letra grande na fachada do edifício, agora transformado em espaço multifuncional e co-working.
E foi mesmo nos armazéns de Abel Pereira da Fonseca que Fernando Pessoa foi apanhado em “flagrante delitro” por um fotógrafo indiscreto enquanto tomava um cálice de aguardente. Dizia Pessoa que ali, estava próximo do “paraíso terrestre, aliás perdido”!
Não está perdido, digo-vos eu, está a 40 minutos de Lisboa e vale muito a pena uma visita!