Trás-os-Montes: na ponta mais nordeste de Portugal existe uma região de vinhos, azeite, castanha e muito mais!

Há muitos anos que planeava um roteiro de enoturismo em Trás-os-Montes, pois era a única região de vinhos que me faltava visitar em Portugal. Tratei desse assunto recentemente e só me arrependo de não ter lá ido há mais tempo!

Antes de lhe contar um pouco mais sobre a região gostava de começar por dizer que fiquei bastante feliz e, de certa forma, inspirada pelo que vi por lá.

Gente lutadora e resiliente, que tem paixão à terra e aos produtos locais, gerações novas que estão a voltar ao campo para não deixar esquecer tradições, na produção de vinho e não só.

A REGIÃO

É a província mais nordeste de Portugal. Faz fronteira com Espanha a norte e este, Minho a oeste e o Douro a sul.

Dentro da região, existe uma divisão entre Terra Fria e Terra Quente.

A Terra Fria corresponde à região que inclui Bragança, Vinhais, Vimioso, Miranda do Douro e Mogadouro. Esta parte é mais montanhosa, com uma altitude mais elevada e um clima mais frio e húmido, onde a cultura dos castanheiros predomina.

Já a Terra Quente corresponde aos concelhos de Alfândega da Fé, Carrazeda de Ansiães, Macedo de Cavaleiros, Mirandela, Valpaços e Vila Flor. Aqui o relevo é mais baixo e o clima mais quente e seco, por isso, quem reina são as oliveiras.

O VINHO DE TRÁS-OS-MONTES

A região vitivinícola de Trás-os-Montes está dividida em 3 sub-regiões: Valpaços, Chaves e Planalto Mirandês.

O solo é tanto de granito como de xisto partido, um tipo de xisto menos duro e que se desfaz.

O clima é continental com verões muito quentes e invernos extremamente rigorosos e o relevo é essencialmente montanhoso – o próprio nome assim o indica – à excepção do Planalto Mirandês, que acaba por ser ali uma clareira plana entre montanhas.

As principais castas brancas são o Gouveio, Viosinho, Rabigato e Códega do Larinho, já nas tintas encontra-se muito Tinta Amarela (também chamada Trincadeira, no sul), Bastardo e Touriga Nacional.

Os vinhos brancos são muito aromáticos, frutados e um pouco florais, com acidez média, bastante equilibrada. No caso dos vinhos tintos, são vinhos igualmente intensos em aromas, sabores e mesmo em cor. Na boca, são estruturados, encorpados e com taninos firmes.

É comum o uso de madeira para envelhecer os vinhos pelo que se tornam robustos e com grande capacidade de envelhecimento.

ENOTURISMO EM TRÁS-OS-MONTES

Por ser uma região tão grande, é bom dedicar alguns dias de Enoturismo em Trás-os-Montes. A produção de vinho nesta região é ainda essencialmente de pequeno projectos ou projectos familiares.

O vinho faz-se com muita paixão e dedicação e por isso vale muito a pena bater à porta de algumas adegas e conhecer as pessoas por detrás de cada garrafa de vinho.

Algumas cidades que valem a pena visitar são Chaves, Valpaços, Bragança, Mirandela e as várias aldeias lindas pelo meio.

Mas nem só de vinho vive Trás-os-Montes. A par do Alentejo esta é uma região de grande produção de olival e, portanto, de excelentes azeites. Há quem diga que os do Norte são melhores que os do Sul até, mas nessa discussão não me meto, cada um que prove e decida por si!

Outra cultura muito importante por estes lados é a castanha. Tão expressiva é a produção de castanha aqui, que faz de Portugal um dos maiores produtores deste fruto seco em toda a Europa.

Andei pela região apenas 4 dias. Sei que é pouco para conhecer tudo mas já deu para ter um cheirinho do Enoturismo em Trás-os-Montes.

ADEGAS A VISITAR

QUINTA DAS CORRIÇAS, Valpaços

“Aqui na adega, as paredes falam” diz Carlos, o adegueiro, que me recebeu muito bem na Quinta das Corriças. O que ele quis dizer é que a parede da adega é constituída por pedaços de granito arenoso e xisto partido, os dois tipos de solo mais comuns em Trás-os-Montes.

O projecto de vinho com marca própria nasce em 2007, mas bem antes disso já a família de Telmo Moreira (o proprietário), produzia vinho e azeite, empregando grande parte da população de Vale de Salgueiro em Mirandela.

Dentro da adega, são vinificadas as uvas dos 20 hectares de vinhas (sendo mais de metade, vinhas velhas). Usam as castas típicas da região: Bastardo, Tinta Roriz, Touriga Nacional, Touriga Franca, Bastardo Russo, Tinta Amarela, Gouveio, entre outras.

Atravessando a adega, Carlos levou-nos ao núcleo museológico repleto de peças e artefactos tanto de trabalho como de simples decoração, mas todos típicos da região de Trás-os-Montes. Desde uma mesa com pratos e talheres à transmontana, como utensílios de agricultura, mobília e até sapatos!

Foi no primeiro andar da WineHouse que Carlos nos preparou a prova de 4 vinhos com enchidos regionais.

Sendo a Tinta Amarela a casta-rainha da região, posso dizer que o Reserva Tinta Amarela foi o meu vinho preferido. Bastante encorpado, com muita fruta preta, especiarias, taninos bem marcados e um final longo.

Também provei o Rosé feito com Tinta Amarela, Tinta Roriz, Tinta Barroca e Bastardo, igualmente estruturado ,por isso esteve perfeitamente à altura dos enchidos e queijos curados em cima da mesa.

Na recente inaugurada WineHouse da Quinta das Corriças, existem 4 quartos prontos a receber os hóspedes que queiram ter a experiência de dormir numa casa transmontana centenária.

CASA DO JOA, Planalto Mirandês

Quando visitar a Casa do Joa peça, a quem o receber, para o levar a conhecer as vinhas centenárias. Isto porque, estar ao lado de vinhas de 180 anos, de pé franco, troncos grossos e cheias de vigor é um momento emocionante!

Além de que parte destas vinhas estão plantadas a 800 metros de altitude, rodeadas de montanha, árvores e uma paisagem a perder de vista. Um lugar que impõe respeito e nos faz sentir pequeninos.

Depois de conhecer as vinhas, é bem mais fácil entender tudo o que se passa na adega.

O projecto de vinhos, engarrafados e com marca própria é relativamente recente. Aconteceu quando Jorge Afonso herdou os quase 2 hectares de vinhas velhas de cinco gerações e decidiu que tal tesouro não se podia perder.

As vinhas – actualamente em processo de conversão para biológicas – originam 3 referências: branco, rosé e tinto com a marca Alto do Joa.

Todos muitos diferentes entre si e muito distintos de outros vinhos que bebi na região. São vinhos de pouca intervenção, cheios de sabor e feitos para guardar.

São produzidos na adega na Aldeia de Parada, num antigo palheiro erguido em granito.

Acho que o branco foi o que me surpreendeu mais. Um vinho de curtimenta e por isso com uma cor amarelo-torrado, feito com mais de 7 castas diferentes e com estágio de 18 meses em carvalho francês.

Na boca, é muito intrigante, até difícil de decifrar. Tem alperce desidratado, tem especiarias, tem cedro, tem boa acidez e avelãs torradas. É sem dúvida gastronómico, queijos curados serão uma boa companhia.

No que toca ao enoturismo, a Casa do Joa tem várias experiências que oferece aos seus visitantes (sempre por marcação).

Eu tive um “Um cibinho com amigos” que é como quem diz, uma prova de vinhos Alto do Joa e produtos regionais (alheira, enchidos, queijo, pão). Com o privilégio de provar algumas das novas colheitas directamente da barrica que a Teresa Vaz – enóloga residente – me deu.

TERRAS DE MOGADOURO, Planalto Mirandês

Não é obvia a localização da adega e mesmo quando o GPS informa que chegámos ao destino, duvidamos que estamos no sítio certo. Se lhe acontecer o mesmo, não se preocupe, está tudo bem.

No meio de uma zona industrial descaracterizada e dentro de um dos muitos armazéns com portão de ferro, está a adega do vinho Terras de Mogadouro.

Atravessei o portão, entrei um pouco e, no meio de umas dezenas de cubas de inox e mais umas quantas barricas e palotes de garrafas, estava uma mesa linda (estrategicamente colocada debaixo de uma claraboia para receber luz natural) bem decorada e cheia de comida à minha espera.

Junto à mesa estava Cristiano Pires – fundador do projecto – e o Chef Luis Martins – amigo e parceiro das experiências de enoturismo.

Depois desta surpresa inicial, seguiram-se 3 (ou mais!) horas de muito vinho, muita comida e acima de tudo, excelente conversa!

Cristiano deu-me a provar toda a sua gama de vinhos, criada por Rute Gonçalves – sua mulher e enóloga residente – e feita a partir de uvas vindas de 50 hectares de vinha.

A fazer companhia ao alinhamento de vinhos estava uma tábua com os ingredientes autóctones de Trás-os-Montes: enchidos, queijo, cogumelos, azeite e pão.

Comecei por provar o Terras de Mogadouro Gewurztraminer Branco (sim, uma casta estrangeira que se deu muito bem neste terroir) acompanhado dos cogumelos braseados com azeite e ervas.

Depois passámos para o Terras de Mogadouro tinto (Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Amarela, Tinta Roriz) com o chouriço assado no barro, como manda a tradição.

Daí, seguiu-se uma prova livre de vinho e comida, tarde fora!

Luis Martins não cozinhou, na verdade. Segundo o próprio, apenas transformou ingredientes transmontanos, todos eles de elevada qualidade já de origem.

Terminada a refeição (não sei se lhe chame almoço ou lanche ajantarado!) ainda demos uma volta pela adega, com direito a prova das próximas colheitas, ainda em barrica.

E enoturismo é isto: paixão pelo que se faz, vontade de receber e proporcionar uma tarde deliciosa, seja no meio de uma quinta centenária entre vinhas, ou num armazém na zona industrial!

VINHOS A DESCOBRIR

QUINTA VALLE MADRUGA

A Quinta Valle Madruga está em fase de planeamento do seu enoturismo, desde que inaugurou a sua adega em 2017.

Assim que eu cheguei a Valpaços, Fernando Nicolau de Almeida, levou-me ao melhor restaurante de posta mirandesa da região para me dar a provar os vinhos da Quinta Valle Madruga.

Fernando é o Director Comercial da marca e, deu-me a provar cinco dos oito vinhos Quinta Valle Madruga, acompanhados de uma imensa travessa de posta e rodeão.

Quinta Valle Madruga produz vinhos a partir de castas locais, de videiras criadas em solos de xisto na sub-região de Valpaços. Além do vinho, a marca também se dedica à produção de azeite.

Das referências que provei, destaco os monocastas de Gouveio e Tinta Roriz, ambos representando bem a intensidade e personalidade do terroir de Trás-os-Montes.

VINHO DOS MORTOS

Vinhos dos Mortos é um tipo de vinho histórico que se produz em Trás-os-Montes .

Durante a segunda Invasão Francesa em Portugal – em 1808 – a população, com medo que os invasores lhes roubassem os bens de maior valor, escondeu tudo o que conseguiu, incluindo o vinho, que foi enterrado no chão das adegas, debaixo dos lagares e barricas.

Mais tarde, quando foram desenterrar os seus bens, descobriram que o vinho tinha adquirido características inesperadas. Tornou-se um vinho com baixo teor alcoólico e algum gás, resultado de uma fermentação natural durante o período que esteve enterrado.

Por ter estado debaixo de terra tanto tempo, o vinho ganhou o nome de Vinho dos Mortos. Este vinho produz-se ainda hoje na vila de Boticas, mantendo as mesmas características: palhete, com pouco álcool e ligeiramente gaseificado.

É tinto produzido com Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Barroca, Trincadeira e Alicante Bouschet. Tem aroma de frutos vermelhos com acidez pronunciada e muita frescura.

ONDE COMER

MARIA RITA, Mirandela

De todas as pessoas a quem pedi recomendações de restaurantes em Trás-os-Montes, não houve uma que não tenha colocado o Maria Rita em primeiro lugar. Assim sendo, não podia falhar no meu roteiro de enoturismo.

Situa-se na Aldeia de Romeu, uma aldeia pequena, muito arranjada e florida que pertence à familia Menéres.

É verdade que lá fui num sábado de Verão, mas a casa estava cheia, por isso só podia ser bom sinal. Foi-me atribuída a mesa junto à janela, em estilo “namoradeira” e como entrada pedi logo uma alheira assada e bolinhos de bacalhau, ambas especialidades da casa.

Para prato principal, as opções eram muitas. Podia ser o famoso bacalhau à Romeu ou mesmo a posta Mirandesa, mas a minha escolha recaiu na açorda de espargos que estava divinal.

Toda a refeição foi acompanhada pelo vinho Quinta do Romeu rosé, feito com Touriga Nacional, Tinta Roriz e Tinto Cão. Curiosamente esta família também produz vinho com a marca Quinta do Romeu, mas que, por razões históricas e estratégicas, faz parte da região vitivinícola do Douro.

Douro ou não, o vinho é de grande qualidade, assim como o azeite que veio para a mesa logo com as entradas.

O restaurante Maria Rita (e a própria Aldeia do Romeu) é encantador e por isso deve, sem dúvida, integrar um roteiro de enoturismo em Trás-os-Montes.

CONTRADIÇÃO GASTROBAR, Bragança

A família Geadas é já famosa em Bragança pelo seu talento para a culinária. São já 3 restaurantes com este nome, um pertencente aos pais, os outros dois são geridos pelos irmãos Óscar e Tó Geadas.

A pousada de Bragança é casa do “G”, o primeiro restaurante estrela Michelin de Trás-os-Montes, mas o espaço que eu aqui recomendo é o Contradição Gastrobar, junto às muralhas do castelo.

Se era carne que eu esperava encontrar com qualidade e bem cozinhada, o Contradição surpreendeu-me com várias opções de marisco e todas deliciosas. As sobremesas são originais e bem empratadas, para dar um toque especial ao fim da refeição.

No que toca à carta de vinhos, os irmãos dão primazia aos vinhos regionais. Sejam produtores mais comerciais ou pequenos projectos, a variedade é imensa. Excelente restaurante!

Lost Corner, Bragança

Também em Bragança, mas para quem procura uma refeição mais leve, recomendo o Lost Corner.

Situa-se no centro histórico da cidade, tem uma simpática esplanada exterior e no interior uma parede inteira com garrafas de vinho. Os vinhos daqui são (e bem) essencialmente transmontanos, mas também tem outras regiões representadas.

Para aconchegar o vinho, o Lost Corner prepara tábuas de enchidos e outros petiscos, num ambiente muito divertido, entre amigos e com boa música ambiente.

ONDE DORMIR

OLIVE NATURE HOTEL & SPA, Valpaços

Porque uma das principais culturas de Trás-os-Montes é a oliveira, este hotel em Valpaços tem como tema o azeite.

Situado na Quinta Dona Adelaide, além de quartos muito espaçosos e confortáveis, o Olive Nature Hotel & Spa é todo rodeado de um jardim muito tranquilo e, claro, de um olival.

O restaurante gastronómico presta homenagem aos ingredientes de Trás-os-Montes. De tal forma que tem o seu próprio “Atelier do Fumeiro” onde produzem a famosa alheira, salpicão e linguiça. Tudo isto é servido no restaurante junto com outros produtos da região, como o azeite e a castanha.

Já a carta de vinhos, foi cuidadosamente selecionada para uma harmonização perfeita com todos os sabores transmontanos.

Eu passei uma noite aqui no hotel em pleno Verão, mas no Inverno tenho a certeza que também se está bem, principalmente a relaxar no Olive Spa by Dona Adelaide, onde os produtos e cosméticos são feitos à base de azeite.

GLAMPING HILLS, Bragança

Não foi óbvio encontrar o Glamping Hills, no meio da aldeia de Santa Comba de Rossas. Mas isso só abona a seu favor! O silêncio é garantido e só interrompido pelo sino da igreja, mesmo frente ao alojamento.

Glamping significa “glamorous camping” ou campismo de luxo. E foi isso que encontrei. Cinco glampings, num jardim bem arranjado frente à casa principal, onde são servidos os pequenos-almoços e outras refeições.

O Glamping Hills tem piscina, assim como uma varanda onde se pode assistir ao pôr-do-sol com um copo de vinho. Lá dentro, uma lareira e tábuas de enchidos aconchegam as noites mais frescas.

O quarto é confortável, silencioso e acolhedor, além de que João – o proprietário – foi um excelente anfitrião.

Se está a planear um roteiro de enoturismo em Trás-os-Montes, o Glamping Hills é bastante central. Eu passei aqui duas noites e senti-me em casa!

QUE MAIS FAZER?

Visita aos Lagares Rupestres

À semelhança de algumas outras regiões vitivinícolas em Portugal, também em Trás-os-Montes se encontram vestígios de produção de vinho com mais de dois mil anos.

Falo especificamente dos Lagares Rupestres que se podem encontrar, uns mais escondidos que outros, essencialmente na zona da Valpaços.

Trata-se de lagares cravados no granito, onde estão bem definidas as zonas de pisa das uvas, e depósito do vinho que faria parte da vida quotidiana e comercial dos romanos, que viveram neste território por muitos anos.

Marron – Oficina da Castanha, Bragança

Como já disse antes, o castanheiro é das árvores mais importantes na região de Trás-os-Montes e, como tal, a castanha um dos produtos mais utilizados.

Na Marron – Oficina da Castanha, no centro de Bragança, vi a utilização que se pode dar à castanha! Desde queques, farinha, cerveja, entre outros, a castanha pode servir de base para tudo.

No andar de baixo da loja, recomendo visitar o pequeno museu sobre a castanha. Fiquei a saber que Portugal é o 2º maior produtor de castanha da Europa e que grande parte dela está aqui, em Trás-os-Montes.

Praias Fluviais

Entre Mirandela e Bragança, encontra a albufeira da Barragem do Azibo e, em torno dela, inúmeras praias fluviais. Quase todas são vigiadas, têm bar de apoio, estacionamento e espaço para toda a gente.

Nos dias mais quentes, sabem bem dar um mergulho para refrescar e, assim, completar um dia de Enoturismo em Trás-os-Montes.