Enoturismo na Madeira em cinco dias: adegas, hotéis vínicos, restaurantes e natureza, tudo numa só ilha!

Fazer enoturismo na Madeira, além de dias bem passados a ver paisagens lindas, comer e beber bem, é também uma grande lição de viticultura e de história.

Cada produtor tem algo fascinante para nos contar, tem desafios de séculos para partilhar, produz vinhos que falam por si.

A convite da Associação de Promoção da Madeira fui passar cinco dias incríveis nesta ilha onde não só conheci novos produtores de vinho, como ainda tive a oportunidade de explorar a beleza natural da Madeira, como nunca tinha feito antes.

Conto-lhe um pouco da minha passagem pela pérola do Atlântico!

VINHO MADEIRA – DOP MADEIRA

A história do Vinho Madeira começa com a descoberta da ilha em 1419, pois logo por essa altura se iniciou a cultura de trigo, cana-de-açúcar e, claro, videira.

Registos históricos indicam que daí até começar a levar o Vinho Madeira para outras paragens, foi incrivelmente rápido.

A fama e prestígio deste Vinho, podem ainda ser atestados por inúmeras personalidades internacionais o que fez com que andasse literalmente, pelas bocas do mundo!

Actualmente as variedades de castas mais utilizadas para vinho DOP Madeira são: Sercial, Verdelho, Boal, Malvasia, Terrantez e Tinta Negra.

Trata-se de um vinho fortificado, feito maioritariamente de castas brancas. O álcool usado para fortificar é um álcool vínico (vinho com destilação dupla ou tripla) que não tem cor nem sabor para não interferir com o sabor final.

A escolha do momento da interrupção da fermentação depende do grau de doçura pretendido para o vinho. No Vinho Madeira podem-se produzir quatro tipos: o seco com Sercial, o meio-seco com Verdelho, o meio-doce com Boal e o doce com Malvasia.

O envelhecimento deste vinho é feito de duas formas: Estufagem ou Canteiro.

A Estufagem acontece quando o vinho é colocado em cubas de aço inox, aquecidas por um sistema de serpentina onde a água quente (máximo 50ºC) circula por cerca de 3 meses. Após este período, é colocado a envelhecer em cascos de madeira e só poderá ser engarrafado 2 anos depois.

O nome Canteiro provém do facto de se colocar os grandes toneis – feitos a partir de madeira de Cetim do Brasil em muitos casos – sob suportes de traves de madeira, denominadas de “canteiros”. Neste caso, o vinho é envelhecido geralmente nos pisos mais elevados dos armazéns onde as temperaturas são mais altas, pelo período mínimo de 2 anos e mais 1 ano em garrafa antes de ser comercializado.

“My Goodness! Have you considered the fact that when this wine was made, Marie Antoinette was still alive?”

Winston Churchill provando um cálice de Terrantez 1789 durante umas férias passadas na Madeira em 1950

DOP MADEIRENSE e IGP TERRAS MADEIRENSES

Mas a Madeira não é feita apenas de vinhos licorosos, ou seja, vinhos DOP Madeira. A Região Demarcada da Madeira também produz muito (e cada vez mais) vinhos de mesa, secos e não fortificados.

E isto acontece tanto na ilha da Madeira como no Porto Santo também.

Além das castas mencionadas antes, pelas ilhas existe Touriga Nacional, Aragonez/Tinta Roriz, Bastardo, Cabernet Sauvignon, Complexa, Tinta Negra, Syrah, Merlot e Touriga Franca nas tintas.

Quanto a uva branca existe Arinto, Arnsburger, Chardonnay, Folgasão e Sauvignon Blanc, Caracol e Listrão (Porto Santo), entre outras.

Alguns bons exemplos de vinhos madeirenses são o Atlantis, Colombo, Terras do Avô, Ilha, Quinta do Barbusano e muitos outros que vale a pena descobrir numa ida à Madeira!

ENOTURISMO NA MADEIRA

ADEGAS A VISITAR

BLANDY’S LODGE

Pode-se dizer que a história da Blandy’s e do Vinho Madeira se fundem, já que esta foi a primeira marca a comercializar e exportar este fortificado, em 1811.

Mesmo no centro do Funchal, o Blandy’s Wine Lodge já foi hospital, prisão e até Mosteiro de São Francisco, até passar a albergar barricas e garrafas de vinho.

Foi pelas mãos da família Blandy que em 1840 se tornou adega e, desde então, a marca tem crescido até ser uma das referências mundiais na produção de vinho Madeira.

Hoje é a 6ª e 7ª gerações, que continuam a gerir a Blandy’s: a maior produtora mundial de Vinho Madeira de alta qualidade.

Na minha última visita à Madeira fui convidada a participar nas vindimas da Madeira Wine Company, empresa mãe de marcas como Blandy’s, Cossart Gordon, Miles Madeira ou mesmo Atlantis, o primeiro vinho de mesa produzido na Madeira.

Sendo que os DOP Madeira dispensam apresentações, falo de como o Atlantis Verdelho me surpreendeu. Bastante seco e com acidez elevada, este Atlantis reflete os principais aromas da Madeira como o maracujá e a brisa do mar.

Provei com uma espetada de carne, uma combinação improvável que resultou muito bem!

Nesse dia vindimámos Malvasia de São Jorge (diferente da Malvasia Fina e Malvasia Cândida), numa vinha em latada ou ramada, que é o mais comum nesta ilha.

Uma vindima muito animada que terminou com um grande almoço – de espetada em pau de louro, como manda a tradição – prova dos vários vinhos da empresa e terminou com a lagarada da colheita do dia.

Mais do que divertido, foi muito interessante ver o outro lado dos vinhos Madeira, que normalmente só conhecemos através das adegas no Funchal e de barricas antigas nos longos corredores escurecidos.

QUINTA DO BARBUSANO

Em São Vicente, a norte da ilha, visitei a Quinta do Barbusano. Toda a envolvente desta quinta é encantadora! Não só é rodeada pela árvore barbusano, que dá nome ao lugar, como por 12 hectares de vinha, sob o olhar atento da torre da igreja de Nossa Senhora de Fátima.

O projecto de vinhos nasceu em 2006 pela mão de mais de 80 sócios, mas é António Freitas que dá a cara por esta casa. Dedicam-se inteiramente à produção de vinhos de mesa sejam brancos, rosés ou tintos.

Apesar do Verdelho e da Tinta Negra serem as duas castas mais plantadas na quinta, não estão sozinhas e fazem-se acompanhar pela Touriga Nacional, Aragonês, Arnsburger e outras castas que ainda estão em projecto e que em breve serão dadas a conhecer!

A quinta da Barbusano também tem vinhas no Porto Santo por isso a sua gama de vinhos é muito variada! Devo confessar que o Verdelho ainda é a casta que me faz vibrar e tanto o Barbusano branco como o Barbusano barricas são excelentes opções.

Em 2018, o enoturismo foi todo renovado e criado uma sala de provas com um lagar de vara e fuso lá dentro, usado na altura da vindima.

Numa visita à Quinta do Barbusano pode fazer uma caminhada pelas vinhas de latada, fazer uma prova de vinhos no alpendre, mas eu recomendo ficar para almoçar uma espetada de vaca em pau de louro, assado na brasa, acompanhada por uma excelente seleção de vinho da casa.

Uma experiência que eu fiz e adorei!!

BARBEITO

No alto de Câmara de Lobos, a poucos minutos do Funchal, está a casa da Barbeito. Apesar de ter sido fundada apenas em 1946 (um bebé, na história do Vinho Madeira) a paixão pelo vinho já está na família desde muito antes.

Numa visita à adega vê-se o processo de vinificação como ele é, principalmente se estiver a decorrer a vindima.

Foi também aqui que vi, pela primeira vez, rotular vinho Madeira. Num processo artesanal e de muita precisão, as garrafas são primeiro pintadas a stencil, com o recorte das letras a delimitar a tinta branca. Depois de a tinta secar ao sol, limpa-se as imperfeições, letra a letra, com a ajuda de uma navalha bem afiada.

Já no laboratório, encontrei o enólogo Ricardo Diogo Freitas, de volta de copos e provetas (cada um com a sua casta, vinha, parcela, ano de colheita, etc.), literalmente metendo o nariz em tudo, concentrado nos cheiros, sem pestanejar.

Os vinhos Barbeito são conhecidos pela sua irreverência e criatividade, que caracteriza os vinhos desta família ao longo de três gerações.

Aqui escolheram um caminho diferente, optam por manter a acidez natural da uva e, portanto, os vinhos – mesmo os doces – serão menos doces que outras marcas. Mesmo sendo um “bebé”, já marcaram bem a sua identidade e são, sem dúvida, uma referência nos Vinhos Madeira.

TERRAS DO AVÔ

No norte da ilha, numa zona chamada Seixal, recomendo uma visita à casa onde se produz o vinho Terras do Avô, a Seixal Wines.

Este é um projecto da família Caldeira onde todos colaboram como podem, para o funcionamento da empresa. 

Aqui as vinhas estão rodeadas de mar e da floresta Laurissilva. E é mesmo com uma impressionante vista para a montanha e para a cascata ‘Véu da Noiva’ que a família dá a provar os seus vinhos de mesa (brancos e tintos): muito aromáticos, cheios de fruta tropical, com boa acidez e muita mineralidade.

As provas ou almoços, contam sempre com vários petiscos caseiros feitos por Sofia Caldeira com a colaboração da mãe Júlia e da irmã Filipa.

Apesar de nesta casa não se produzirem os tão afamados vinhos doces, a família Caldeira também inovou ao ser o primeiro (e ainda único) produtor de espumante na ilha da Madeira, com primeira colheita em 2014.

ONDE DORMIR

QUINTA DAS VINHAS

Na Calheta há uma casa familiar, construída em 1685, que em 1997 foi transformada numa guest house para receber todos os visitantes da ilha da Madeira que queiram disfrutar do sossego, da vista para o mar, do silêncio fora da cidade, da privacidade e do ambiente caseiro, durante as suas férias longe de casa.

Foi tudo isso que eu senti também nos dias que passei na Quinta das Vinhas. Os 24 quartos distribuem-se um pouco por toda a quinta, no meio das latadas de vinha que crescem em torno da casa.

Estas vinhas foram plantadas em 1980 pelo Instituto do Vinho da Madeira (hoje IVBAM) como campo experimental, num acordo feito pela familia proprietária. Neste campo ainda hoje existem cerca de 70 castas de uva para vinho e 44 castas de uva de mesa, todas em modo de produção biológico!

Por isso, é muito interessante fazer uma visita guiada às vinhas com Isabel Braz, a técnica responsável por cuidar deste incrível “jardim”.

A totalidade de uvas é vendida para outros produtores pelo que não tem produção própria, mas ainda assim a Quinta das Vinhas promove muito o vinho da ilha através de provas na varanda acompanhadas de tapas e através da extensa lista de vinhos tranquilos que serve no seu restaurante.

Além de actividade relacionadas com a vinha e vinho, na Quinta das Vinhas ainda fiz uma massagem relaxante ao ar livre e uma aula de yoga no meio do jardim rodeada de árvores.

Um hotel muito acolhedor, onde me senti verdadeiramente em casa!

SOCALCO NATURE CALHETA

De um convento do séc. XVII, nasceu recentemente um agroturismo na Calhete, mesmo em cima da praia.

O Socalco Nature Calheta tem 20 quartos localizados pela colina acima. Alguns dos quartos encontram-se junto à casa principal, que se manteve intacta desde a sua fundação, como é a Casa do Chef, a Casa do Caseiro e a Casa do Boticário.

Os restantes quartos ganham o nome da sua envolvência como é o caso das castas Terrantez, Boal e Verdelho plantadas nos socalcos e que dão nome a algumas casas, ou então a Cascata, a Gruta, a Palha e o Ribeiro.

A primeira coisa que recomendo fazer é mesmo uma pequena caminhada por toda a propriedade e descobrir os seus recantos. Vai encontrar um lagar, uma zona de relaxamento e massagens, levadas e riachos, piscina e muito mais.

Aproveitando a excelente localização, e condições do restaurante A Razão do Chef Octávio Freitas, pode ainda participar num dos muitos workshops do atelier gastronómico.

ONDE COMER

A RAZÃO

“A Razão de tudo acontecer é a paixão pela cozinha”. Este é o mote do restaurante do Socalco Nature, aberto tanto para hóspedes como passantes.

Aqui o Chef Octávio Freitas cria diariamente um menu diferente, com os produtos do dia, guiando-se pela regra do desperdício zero.

A acompanhar o menu composto por entrada, prato de peixe, prato de carne e sobremesa (ah! E não esquecer o pão de fermentação natural que é delicioso) provei e recomendo muito o vinho “da casa”, feito com as uvas da propriedade.

O Galatrixa – nome que os locais dão às lagartixas que passeiam pelas vinhas – é feito com Verdelho, Terrantez (Folgasão) e Boal (Malvasia-Fina).

KOUVE

O Kouve faz parte da trilogia de restaurantes do Chef Júlio Pereira, todos no Funchal.

Kampo é mais dedicado a pratos de carne, o Akua é especializado em peixe e o Kouve tem maioritariamente pratos vegetarianos.

Sempre defendendo os produtos locais e a sua sazonalidade, os pratos no Kouve são inspirados nos sabores da Madeira, muitos deles crus ou com pouca elaboração de forma a preservar as caracteriticas originais dos ingredientes.

Desde o carpaccio de beterraba, ao tataki de melancia terminando com a sobremesa de cebola caramelizada, recomendo provar tudo!

O QUE COMER

A ilha da Madeira é, inquestionavelmente, um paraíso gastronómico essencialmente no que toca a produtos do mar e frutas, mas aconselho vivamente que não saia da Madeira sem provar uma genuina espetada de carne, em pau de louro, como deve ser!

Também a sandes de Espada (o peixe) é um clássico. Há de todas as formas e receitas, mais gourmet ou mais popular, o segredo está no peixe tenro e num frito delicado. Se a comer numa taberna de rua, não se esqueça de acompanhar com a poncha regional.

Esta é a mais famosa da Madeira, feita com aguardente de cana, mel, sumo natural de laranja e de limão.

QUE MAIS FAZER NA MADEIRA?

LEVADAS

Levadas são, por definição, canais de rega que facilitam a gestão e direcção das águas das chuvas, principalmente nas ilhas. Mas as levadas da Madeira são muito mais que isso!

São caminhadas lindas, no meio da floresta, com paisagens incríveis e com muitas surpresas pelo caminho, como cascatas e lagos e escarpas sem fim!

Existem várias levadas diferentes, cada uma com o seu comprimento, duração e grau de dificuldade e por isso acredito que há para todos os gostos.

Eu fiz a levada do Alecrim, com 7km que durou cerca de 1h30 a concluir. No fim do caminho encontrei uma cascata com um pequeno lago, onde me pude refrescar antes de fazer o trajecto de volta.

Já tinha ouvido falar muito das levadas, mas foi preciso fazer uma para perceber o quão maravilhoso é!

SIDRARIA

A história da sidra na Madeira é tão longa como a do vinho. Na verdade, a par da videira, a macieira e pereira foram das primeiras árvores de fruto a serem plantadas na ilha, logo após a sua descoberta.

Chamada de “vinho de pêros” a sidra fez, inúmeras vezes, os mesmos percursos que o Vinho Madeira pelo mundo.

Hoje a Sidra da Madeira é produto IGP (Indicação Geográfica Protegida) e existem algumas marcas com expressão na ilha.

Eu fui visitar uma sidraria no norte, mais concretamente a Sidraria dos Prazeres onde se produz a Arrebita! Bem seca, com excelente acidez e um travo bem marcado de maçã que se prolonga na boca.

Em breve esta sidraria terá espaço para receber visitantes e, com orgulho, dar a provar a sua sidra!

FÁBRICA DE SANTO ANTÓNIO

Bem no centro do Funchal, está uma das fábricas mais antigas e mais famosas da ilha. Isto porque produzem o tão característico bolo de mel de cana da Madeira.

Fundada em 1893, a Fábrica de Santo António (em homenagem ao santo com o mesmo nome) têm-se especializado na produção não só dos bolos mas de bolachas e biscoitos. Têm dos mais variados sabores e feitios: bolachas de gengibre, de amêndoa, avelã, de maracujá e mel de cana.

Não bastava os bolos serem todos uma delicia, a loja em si é um encanto. Mantém a mesma traça antiga, mesmo armários, caixa registadora e balança

 As caixas azul, amarelo e vermelho preenchem as prateleiras pelas paredes e o cheirinho de bolo quente, vindo da fábrica mesmo atrás do balcão de venda, invade a loja todos os dias do ano!

BORDADO DA MADEIRA

Já mencionei o IVBAM anteriormente, mas não expliquei que se refere ao Instituto do Vinho, Bordado e Artesanato da Madeira. Isto porque o bordado é um dos tesouros mais valiosos desta ilha.

Não se sabe ao certo como começou mas, tendo a Madeira sido inicialmente povoada por muitas pessoas do Minho, acredita-se ter vindo daí a tradição do bordado e do seu rendilhado tão meticuloso.

Ainda hoje existem várias bordadeiras por toda a ilha, que demoram meses ou mesmo anos a completar uma só peça.

Vale muito a pena uma visita à loja da Bordal no Funchal, onde fica a saber um pouco mais sobre a dificuldade mas acima de tudo, talento e arte por trás de cada peça de bordado. E, claro, se tiver possibilidade, compre uma e ajude a manter viva esta tradição com mais de 150 anos!

PRAIA

As praias da Madeira são diferentes das do continente. Apesar de existirem algumas praias de areia, o solo típico da ilha é de calhau rolado, negro do basalto, água cristalida e morna, e um sol que aquece com força, até se pôr atrás da montanha.

Dentro dos cinco dias intensos de actividades na Madeira, ainda consegui ir molhar os pés à praia Ritual do Sal no Caniçal.

Uma praia perto do aeroporto, para uma despedida em beleza dessa ilha encantadora onde, seguramente, ire voltar. Obrigada à Associação de Promoção da Madeira pela oportunidade!