Enoturismo nos Açores: Pico, Terceira e outras ilhas com adegas, hotéis vínicos e restaurantes a visitar

VINHOS DOS AÇORES: Como tudo começou…

Sabe-se que introdução da viticultura no Açores – nomeadamente na ilha do Pico – remonta ao século XV, altura da ocupação portuguesa.

Desde aí, até aos dias de hoje, a vinha e o vinho tiveram sempre uma importância enorme na cultura e economia das ilhas, sendo que os frades franciscanos desempenharam um papel crucial na história da viticultura. Entre eles, o Frei Pedro Gigante, que, segundo conta a lenda, introduziu as primeiras videiras no Pico por volta de 1460.

São 9 ilhas no meio do oceano Atlântico em que 6 já produzem vinho: Pico, Terceira, Graciosa, São Miguel, Santa Maria e Faial. Mas, curiosamente é na ilha mais jovem, com “apenas” xxx anos que a cultura da vinha é mais predominante.

CASTAS DOS AÇORES

Arinto dos Açores, Verdelho e Terrantez do Pico

Alguns registos sugerem que as primeiras videiras vieram da Sicília ou até mesmo do Chipre. Independentemente da sua proveniência, a casta Verdelho rapidamente se destacou pela sua adaptabilidade ao solo vulcânico e pelas características únicas dos vinhos produzidos.

O Verdelho tem uma longa história nos Açores, sendo uma das primeiras introduzidas na região. É também cultivada em outras áreas de Portugal, como a Madeira, mas nos Açores adquire um perfil distinto.

No século XVIII e XIX, o Verdelho era a principal casta utilizada para produzir os vinhos licorosos que tornaram o Pico famoso internacionalmente. Produz vinhos brancos secos com notas de frutas tropicais, cítricas e minerais.

Além do Verdelho, outras castas como o Arinto dos Açores e o Terrantez também foram cultivadas e contribuíram para a diversidade vitivinícola da região.  

Apesar de ter um nome semelhante ao Arinto continental, o Arinto dos Açores é uma casta única, nativa das ilhas. Destaca-se pelos aromas de maçã verde, citrinos e flores brancas.

O Terrantez do Pico é uma das mais raras e preciosas dos Açores. Durante muito tempo, esteve à beira da extinção, por ser difícil de cultivar devido à sua baixa produtividade, mas origina vinhos de grande qualidade pelo que foi resgatada, graças aos esforços de produtores locais.

Os vinhos da Terrantez do Pico são elegantes, com aromas florais, herbáceos e salinos.

Estas castas desenvolvem-se e prosperam num ambiente bastante adverso, em solos ricos em basalto e rodeados pelo Oceano Atlântico. Os ventos fortes e a salinidade moldam as videiras e resultam em vinhos com um perfil marcado pela acidez, mineralidade e salinidade inevitável pela proximidade ao Oceano.

Isabela, Uva de Cheiro, uva Morangueiro

Diz-se que a Isabella chegou aos Açores em meados do séc. XIX, vinda, naquele momento, da Europa continental. Esta nova e exótica videira foi plantada nas ilhas e para grande surpresa e agrado dos viticultores, verificou-se que a Isabella era bastante mais resistente ao oídio que as outras variedades.

Mas não só, descobriu-se também que esta planta resistia à terrível praga da Filoxera! Ou seja, esta Isabella, ou morangueira ou uva de cheiro é nada mais nada menos que a Vitis Labrusca ou videira americana. Esta videira era resistente à Filoxera e que por isso foi usada para criar enxertos, isto é, criar plantas híbridas de videira americana e vitis vinífera, a planta europeia.

Esta é uma uva muito controversa… na verdade ela é proibida em todo o continente Europeu, mas permitida nas ilhas.

Uns dizem que a composição da própria uva tem propriedades prejudiciais à saúde humana, mas há quem diga que isso não é bem assim… Que foi no fundo uma história inventada para evitar que esta uva extremamente produtiva e de baixo preço, fizesse concorrência às outras uvas europeias já existentes.

CRIAÇÃO VELHA – PATRIMÓNIO MUNDIAL DA UNESCO

Estas vinhas estão plantadas entre mar, vulcões, ventos fortes e ambiente húmido. Crescem numa paisagem de Natureza selvagem, em que o intenso verde das plantas contrasta com o preto do basalto de que são feitos os currais.

Currais (no Pico) ou curraletas (na Terceira) são muros baixinhos, feitos de pedras soltas de basalto, natural daquele solo, que protegem as vinhas do vento e brisa marítima forte. Dentro de cada quadrado de basalto, ou curral, cabe pouco mais que uma planta e por isso toda a manutenção destas vinhas tem de ser feita à mão.

A esse rendilhado da vinha velha do Pico chama-se Lagido da Criação Velha e esta paisagem de currais é, inclusivamente, classificada Património Natural da Humanidade pela UNESCO desde 2004.

Mas também existem vinhas plantadas mais recentemente com a estrutura normal, com postes e arames como vemos um pouco por todo o mundo.


ENOTURISMO NOS AÇORES

~ ILHA DO PICO ~


ADEGA CZAR

Fortunato Garcia não se importa que o chamem de louco! Ele tem orgulho dessa fama, que acompanha sua história desde 2009, quando decidiu dar continuidade ao trabalho do pai e transformar a tradição familiar num dos vinhos mais raros, exclusivos e caros e Portugal!

Recuperou o método antigo de fazer o vinho “passado” com a casta Verdelho, colhida tardiamente, atingindo uma elevada maturação e concentração de açúcares.

O processo de vinificação, que exclui a adição de aguardente, resulta num vinho com teor alcoólico entre 18% e 20%. O segredo do Czar está no envelhecimento prolongado em barricas de madeira, que confere complexidade com aromas de frutos secos, caramelo e especiarias.

Fortunato recebe os visitantes pessoalmente na sua adega, partilhando a história do vinho – que ganha nome por ter sido bastante exportado para a Rússia Imperial – e oferecendo uma degustação deste raro néctar.

A CERCA DOS FRADES

A Cerca dos Frades é um projeto vínico fundado por Tito Silva em 2017, localizado no Lajido de Santa Luzia. Tito, imerso na cultura local desde a infância, transformou a viticultura familiar num negócio, adquirindo terras que pertenciam aos frades franciscanos.

A adega, chamada de “Adeguinha”, situa-se em solos de lava solidificada próximos ao mar. O denso lajido conserva ainda as rilheiras, marcas dos antigos carros de bois usados para transportar barricas de vinho até o mar.

As vinhas, protegidas por currais de pedra, cultivam as castas autoctones como Verdelho, Arinto dos Açores e Terrantez do Pico e os seus vinhos refletem o terroir único da ilha.

Na “Adeguinha”, mais do que simplesmente degustar vinhos, Tito convida os visitantes a conhecer melhor o modo de vida o cotidiano da Ilha do Pico, em harmonia com a terra e o mar.

AZORES WINE COMPANY

A Azores Wine Company, fundada em 2014, é uma adega-hotel que oferece aos visitantes uma experiência única de enoturismo na Ilha do Pico.

O edifício, projetado para respeitar as normas da UNESCO, integra-se harmoniosamente na paisagem de basalto da ilha, com vistas para a montanha do Pico.

A propriedade dispõe de cinco suítes, cada uma com kitchenette e varanda que dá acesso direto aos “currais” de pedra, onde crescem as castas típicas: Arinto dos Açores, Verdelho e Terrantez do Pico.

O restaurante “Pico”, sob a direção do Chef Rui Baptista, oferece um menu degustação que combina ingredientes locais com técnicas contemporâneas, valorizando os vinhos da marca.

Além do alojamento, a Azores Wine Company organiza visitas guiadas e provas de vinhos, permitindo aos visitantes degustar cerca de 20 referências elaboradas pelos enólogos Filipe Rocha e António Maçanita.

PICO WINES

A Cooperativa Vitivinícola da Ilha do Pico, atualmente Pico Wines, foi fundada em 1949 e tem desempenhado um papel essencial na preservação e promoção da viticultura local.

Durante períodos desafiantes, como a crise da viticultura que afetou a continuidade das vinhas tradicionais, a cooperativa garantiu a continuidade da produção de vinho.

Sob a orientação do enólogo Bernardo Cabral, a Pico Wines foca-se na inovação e na qualidade, respeitando as tradições que tornam o vinho do Pico único.

A cooperativa está a investir em novas instalações de enoturismo para partilhar a rica história vitivinícola da ilha com os apreciadores de vinho e consolidar-se como um destino de destaque no roteiro enoturístico do Pico.

ONDE DORMIR NA ILHA DO PICO

AZORES WINE COMPANY

Afirmam-se como uma adega onde se pode dormir! E de facto os quartos integram-se perfeitamente na arquitectura do edifício, localizados no rés-do-chão com pequeno pátios exteriores virados para o mar e murados por basalto.

Cada quarto tem uma pequena kitchnette para maior conforto dos hóspedes, mas o ideal mesmo é ir conhecer o restaurante Pico e desfrutar de uma refeição fine dining com sotaque açoreano.

SEA VINE AZORES ECO LODGING

Recentemente aberto ao público, o Sea Vine Eco Lodging foi uma agradável surpresa incrível!

Na ponta da ilha, oposta à Madalena do Pico, o Sea Vine é composto por 3 casas de madeira branca – que são comunicantes e podem ser alugadas como apenas uma para vários amigos ou famílias – cheia de luz e, invariavelmente, uma vista privilegiada para o mar.

Rodeada de vinhas e do som das ondas do mar, este alojamento foi o lugar perfeito para passar as nossas noites no Pico.

ONDE COMER NA ILHA DO PICO

BIOMA

O Bioma tem um ano de vida mas muita vida ainda para viver! Tornou-se facilmente um dos meus restaurante favoritos do país e isso não é fácil tendo em conta que está bem escondido na ponta da ilha do Pico.

Rafael (Açores, Pico) e Franco (Argentina) são os dois chefs e muito amigos que decidiram colocar o Pico no mapa gastronómico. Fazem por conhecer muito bem o produto que usam, tanto que grande parte da matéria prima que usam é pescada, colhida ou criada por eles mesmos.

E é isso que faz toda a diferença na qualidade da comida do Bioma!

AZORES WINE COMPANY

O restaurante Pico está aberto ao público (não apenas a hóspedes) sempre sob marcação.

Aqui, o chef Rui Baptista (original de Santa Maria) desenha o menu a cada dia com base nos produtos locais e sazonais.

Do menu degustação que nos foi servido destaco pratos como a lula em tempura de tinta de choco, a molha (carne de vaca) com couves ou mesmo a tosta de queijo com compota.

Os vinhos, como não podiam deixar de ser, são do produtor. Mas não apenas dos Açores! No restaurante dão-se a conhecer todas as regiões onde os vinhos Maçanita estão presentes: do Douro ao Alentejo e até a ilha “vizinha” da Madeira.

QUE MAIS FAZER NO PICO?

Museu do Vinho do Pico

Instalado num antigo convento dos carmelitas, o edifício tem uma arquitetura muito caracteristica: pedra negra vulcânica, janelas em madeira encarnada e rodeada de diferentes espécies de plantas.

Lá dentro, aprende-se sobre a história do vinho na ilha desde a chegada do colonizadores até aos dias de hoje, passando pelas pragas do mildio, oidio, filoxera e todos os factos históricos que enriquecem estes vinhos.

Mas o que me encantou mesmo foi o exterior: um pequeno pavilhão de madeira pintada do típico encarnado por cima das vinhas nos seus currais e ao lado do jardim de impressionantes dragoeiros centenários.

Museu do Vulcão e Museu da Indústria Baleeira

No Museu do Vulcão, é impossível não ficar impressionado com a forma como o Pico se formou. Localizado no Lajido de Santa Luzia, este museu explica, de forma clara, a história geológica da ilha, desde erupções até rios de lava.

Podemos sentir a força dos principais abalos sísmicos que afectaram a ilha e conhecer mais a fundo o impacto de cada uma no estilo de vida das populações.

Gostei particularmente do Museu da Indústria Baleeira que retrata um lado muito importante do passado do Pico: a época em que a caça ao cachalote era parte do quotidiano. Instalado numa antiga fábrica de transformação de óleo de baleia, conserva maquinaria original, barcos e utensílios usados pelos baleeiros.

Parece que ainda sentimos o cheiro da carne de baleia e imaginamos toda a azáfama necessária para desfazer um desses animais gigantes, de cada vez. Visitar este museu é compreender melhor a relação dos açorianos com o oceano.


ENOTURISMO NOS AÇORES

~ ILHA TERCEIRA ~


Na ilha Terceira – cuja capital Angra do Heroísmo também é Património Mundial da UNESCO – recomendo uma ida até ao Museu do Vinho nos Biscoitos, onde viajamos no tempo e conhecemos como era o dia-a-dia nas vinhas no início do século.

MATERRAMENTA

A Adega Materramenta, nasceu em 2014 como uma brincadeira e hoje é o maior produtor privado de vinhos da ilha.

Foi o enólogo André Costa quem me guiou pelas vinhas tradicionais de Arinto dos Açores e Verdelho, as duas castas que dão vida aos seus vinhos D. O Biscoitos, a única denominação de origem da ilha no que toca a vinhos.

Os vinhos, como não podiam deixar de ser, são marcados pela acidez das castas e salinidade vinda do oceano. Gostei especialmente do blend das duas castas com sabor de ananás e maçã reineta, mas um final de frutos secos.

A experiência não se fica pela adega: podemos ficar alojados em casas dispersas entre a adega e as curraletas, os típicos muros de pedra que protegem as vinhas do vento.

ADEGA DOS SENTIDOS

Na Adega dos Sentidos encontrei uma viticultura e um estilo de vinho um pouco diferente do resto da ilha.

Aqui, o Sandro e a Mónica não só decidiram plantar vinhas aramadas, uma vez que a manutenção é mais fácil e menos dispendiosa, e apostaram em castas menos tradicionais: além do Arinto e do Verdelho tem também um pouco de Grenache. Com este Grenache fizeram um blanc de noir e um rosé muito bons!

O seu vinho Lágrima do Atlântico tem chamado à atenção do consumidor e já ganhou alguns prémios. De facto estes vinhos são bastantes distintos em jovens, mas na Adega dos Sentidos tive oportunidade de provar um verdelho com alguma idade (7 anos apenas) mas que já mostra o potencial de envelhecimento dos vinhos brancos vulcânicos.

CASAS DO MORGADIO

As Casas do Morgadio são um projeto cheio de carinho da Raquel e do Pedro. No meio de vinhas, bananeiras e até uma pequena plantação de café dentro da propriedade, criaram um refúgio que combina natureza e conforto.

São quatro casas com um design moderno, mas que respeita o ambiente rural que as rodeia — cada detalhe pensado para que nos sintamos em casa.

Foi muito bom acordar nestes cenário e ainda ter o pequeno-almoço num cesto, deixado à porta, com pão fresco, fruta da quinta e outras surpresas locais. Um lugar onde apetece ficar sem pressa!

A Terceira, à semelhança de muitas outras ilhas dos Açores, é muito verde e com actividade vulcânica pelo que recomendo alugar um carro e percorrer os miradouros da ilha ou mesmo atravessar a ilha ao meio pelos prados onde quem manda são as vacas malhadas.

A Terceira é também conhecida pela ilha que está sempre em festa – excepto alguns meses de Inverno – por isso a probabilidade de estar a decorrer alguma festividade local é muito alta. Ah! Obviamente que as festividades incluem sempre muita comida e vinho pelo que nunca sairá com fome ou mal servido desta ilha!

Por fim, é inevitável ir explorar o centro histórico da capital Angra do Heroísmo, Património Mundial da UNESCO.


ENOTURISMO NOS AÇORES

~ OUTRAS ILHAS ~


Na Graciosa e em São Miguel também se produz vinho. Bom, na verdade também em Santa Maria, São Jorge e um pouco por todo o arquipélago, no entanto ainda com uma expressão menor comparado com a Terceira e menos ainda que o Pico.

Ainda assim, se passar por alguma destas ilhas, procure produtores que, por mais pequenos que seja, eles existem e valem sempre a pena ser conhecidos!

Na Graciosa, é obrigatório passar pela fábrica das Queijadas da Graciosa e comer uma queijada acabada de fazer acompanhada de um cálice de Angelica, um vinho doce licoroso produzido na ilha.

Em São Miguel, pode incluir no roteiro de enoturismo uma ida à Quinta da Jardinete, uma casa datada de 1850 com bonitos jardins que acolhem, entre as diversas árvores de fruto, uns largos pés de videira de castas pouco (ou nada) usuais nos Açores, como o Merlot ou Chardonnay.

Desta forma, produzem vinhos brancos e tintos, diferentes do que se encontra habitualmente nestas ilhas, mas feitos com muita dedicação, aproveitando o melhor que o clima e a terra lhes dá.

Ainda nesta ilha, perca-se entre as plantações de ananás e os campos de chá Gorreana, entre lagoas e caldeiras, entre queijos e o cozido das furnas!